junho 14, 2011

Junkie Awards 2010

sem grandes enfeites, porque já tarda mas o que conta é deixar algo para memória futura:

Melhor Documentário 2010:
1. The Cove de Louie Psihoyos - EUA
2. Inside Job de Charles Ferguson - EUA
3. José e Pilar de Miguel Gonçalves Mendes - Portugal
4. Fantasia Lusitana de João Canijo - Portugal
5. Ruínas de Manuel Mozos - Portugal

Menção Honrosa:
Nothing Personal de Urszula Antoniak - Holanda/Irlanda
The Messenger de Oren Moverman - EUA
The Road de John Hillcoat - EUA
Fair Game de Doug Liman - EUA
Madeo de de Bong Joon-ho - Coreia do Sul
Go Get Some Rosemary de Ben Safdie e Joshua Safdie - EUA
Io Sono l'Amore de Luca Guadagnino - Itália
La Teta Asustada de Claudia Llosa - Peru
Lola de Brillante Mendoza - Filipinas

top2010:
10. Alle Anderen (Everyone Else) de Maren Ade - Alemanha - trailer

Uma biópsia à relação de um casal alemão sob o pretexto de filmar as suas férias, grava, contudo, as suas feridas. Neste retrato seco e árido, as personagens deambulam desamparadas, à espera do conforto, do apoio mútuo mas não raras vezes ressaltam para um jogo egoísta de manipulação sentimental, de afirmação sobre o outro. Manobrando-se entre o tão surreal que não faz sentido, e entre o tão real que não pode fazer sentido, o espaço vazio afigura-se claustrofóbico e o espaço estreito confortável. Maren Ade socorre-se da geografia emocional e deixa sobretudo um aviso: é preciso continuar a respirar para sobreviver.

9. Fish Tank de Andrea Arnold - Reino Unido - trailer

Em Fish Tank parecemos voyeurs de um aquário verdadeiro, tal é a forma como as personagens do filme vivem num mundo fechado, prestes a transbordar sobre si mesmas. É um retrato enternecedor de uma rapariga que tem de aprender a defender-se cedo contra o resto do mundo, mas é também uma parábola sobre as prisões sociais que nos enclausuram. Encostados à parede, estas personagens, quase reduzidos a animais, ofegam, pairam perigosamente à volta de sentimentos primários, sexo, violência, gratificação, confronto, isolação. Andrea Arnold filma com uma fúria claustrofóbica esta história que tanto quer ganhar calo para se proteger, que acaba por se tornar ainda mais vulnerável, com as feridas mais expostas.

8. The Ghost Writer de Roman Polanski - França/Inglaterra - trailer

Um thriller pensante e inteligentemente sóbrio, o filme de Polanski transparece em toda a sua causticidade uma amarga crítica política, antecipando o isolamento do realizador. É acima de tudo eficaz e aprimorado na sua construção, suportado pela credibilidade de uma ficção mais tangente à realidade do que à fantasia, numa subversão da presunção natural de inocência. Polanski joga com convenções e expectativas, deixa-nos apenas as entrelinhas por preencher com a nossa paranóia colectiva mas depois não nos mostra o que estamos à espera, como o brilhante final em suspenso, que consegue superar o início misterioso do filme: deixa de haver espaço para não se confirmar o que a nossa imaginação temia.

7. 24 City de Jia Zhang-ke - China - trailer

Numa ficção disfarçada de documentário, Zhang encontra a fronteira necessária para evoluir o seu estilo visual minimalista e de circulação à realidade. Enquanto questiona a legitimidade emocional de um discurso filmado, consegue ao mesmo tempo criar segmentos sentidos e explorar as razões de uma reacção colada aos valores associados a um documentário. Através de depoimentos fabricados como banda-sonora para desoladoras paisagens reais de uma China industrial, que abandona valores humanistas, Zhang filma personagens fictícias mas substitutos próximos de pessoas anónimas, que não poderiam aparecer se isto fosse um documentário real. Zhang continua a dedicar-se aos esquecidos de uma China profunda, dando voz de forma artificial a assuntos reais e a pessoas silenciadas.

6. Antichrist de Lars von Trier - Dinamarca - trailer

Mesmo exibindo provocação e artificialidade por todos os poros, Antichrist consegue arranhar. Não deixa de ser uma construção magnífica, mesmo que von Trier opte por uma estilização exagerada, que pode parecer quase desnecessária ou despropositada mas que no fundo é perfeitamente adequada ao objectivo e tema abordados. Uma autópsia cruel a uma relação entre um casal que se retira para um bosque para se auto-examinar e que acaba por se violentar (e ao espectador). Tanto é um exorcismo mental sem misericórdia e manipulativo da parte de von Trier, como é incapaz de ser apenas uma provocação óbvia, sem se extravasar para um estudo abrasivo da (in)sanidade mental pelas diferentes camadas que cinzela - é uma análise psiquiátrica das personagens, mas também um espelho para o espectador. Trier continua a puxar os cordelinhos e deixamo-nos ir, para tentar ainda sentir alguma coisa.

5. Copie Conforme de Abbas Kiarostami - França/Itália - trailer

Depois do experimentalismo conceptual de Ten, Five e Shirin Kiarostami regressa a uma narrativa mais tradicional mas o resultado não é exactamente convencional. Nesta história por entre uma Itália rural convidativa à melancolia, seguimos um casal, ou uma cópia de um casal, numa discussão, ou numa cópia de discussão e vemos reflexões de outras pessoas e reflexos em nós. É um jogo de pistas subtis entre personagens e com o espectador, de recriações e cópias, jogo de sedução ou recriação de um jogo de sedução reflectido em espelhos, reflexos de filmes já passados? O importante é não perder a beleza tranquila das paisagens, dos enquadramentos, das palavras, da intimidade. Kiarostami começa por teorizar sobre o valor das coisas (a questão da cópia), para reafirmar: "I think it was Godard who said that life is nothing but a bad copy of film".

4. Lebanon de Samuel Maoz - Israel - trailer

É um filme-experiência claustrofóbico, de imersão sensória total na desorientação própria de um cenário estranho de uma guerra estranha. Durante noventa minutos somos cativos do filme dentro de um tanque israelita junto com os seus quatro habitantes nas primeiras horas da guerra do Líbano em 1982. Baseado no próprio passado cicatrizado de Maoz, é um desafiar constante à moralidade do espectador. Mais do que uma qualquer ruminação como procura de sentido profundo sobre a psicologia dos soldados, o filme funciona melhor como pequena alegoria da situação extrema de guerra retratada como representativo da (não) reacção humana frente a adversidade.

3. Wendy and Lucy de Kelly Reichardt - EUA - trailer

A fragilidade absoluta com que Reichardt embala a personagem principal do filme, o desprovimento minimalista com que filma e circunda Wendy, transfigura este filme no mais sincero apelo emotivo deste ano à empatia. Eliminando as barreiras artificiais de um cinema convencional, perde-se a rede de segurança entre o espectador e a história, e o espaço que habita Wendy pressagia quebrar-se várias vezes, numa nudez de artefactos muito próxima dos belgas Dardenne (e muito próximo de "Rosetta"). Sem truques, a responsabilidade fica toda na personagem, na simples história (uma rapariga pobre em fuga tenta reunir dinheiro para recuperar a sua cadela apreendida) e o impacto visceral que uma contagem decrescente traz consigo, que ameaça deixar-nos com pouco.

2. Kynodontas (Canino) de Giorgos Lanthimos - Grécia - trailer

“Parents are the bones on which children cut their teeth”. Kynodontas é uma demolição piso a piso das fundações da família, numa subversão tangente ao cinema surreal de crítica social de Buñuel. Neste filme-conceito desafia-se a linguagem estabelecida, dando-lhe novo contexto e tornando a linguagem parte integrante da subversão, com uma tentativa sincera mas animal de arrancar novos significados. Esta história de um casal que esconde os filhos do exterior numa casa cercada por palavras, é também uma parábola política do isolamento de uma Grécia virada para dentro, que se auto-exila forçadamente do resto do mundo, entregue a si mesma. Fecha-se por um caminho vulcâneo de auto-destruição, alimenta-se de uma sexualidade reprimida e ao entrever uma possibilidade de saída derrama num final maravilhosamente pessimista, de tirar o fôlego.

1. Das Weisse Band (O Laço Branco) de Michael Haneke - Alemanha/Áustria - trailer

Haneke já tinha tentado em Caché explorar as margens da normalidade para deixar crescer lentamente um sentimento de mal-estar que se vai apropriando dessa normalidade, como uma infecção escondida. Agora em Das Weisse Band utiliza um classicismo formal inexorável para subverter lentamente algo que nos é familiar e seguro, como a normalidade conservadora rural, para transformar essa segurança com a intrusão do mal. É um estudo Bergmaniano (austero, cáustico) sobre a origem do mal, do próprio conceito e dos alicerces (neste caso, a família rural) e a passividade que permitem esse mal alastrar e tornar-se em algo que já não é possível extraditar depois de já ter contagiado as fundações da sociedade, tão contagiada que o mal se torna parte integrante. Tal como Kynodontas, é uma desconstrução da família como espaço para manipulação sentimental e tal como em Kynodontas as palavras-chave são repressão emocional. Os sentimentos vão acumulando-se por dentro, fechados em ebulição. Se em Kynodontas assistimos às repercussões da explosão do que foi entretanto reprimido no interior e oprimido pelo exterior, em Das Weisse Band continua tudo fechado dentro de portas e as consequências perigosas desta supressão só acontecerão anos mais tarde, já depois da janela do filme. É o perigo, a possibilidade de não fazer nada, de não fazer o suficiente.