outubro 13, 2012

eleições americanas (ii): So Goes the Nation (2006)

so goes the nation

...So Goes the Nation de Adam Del Deo e James D. Stern, 2006, 8/10 - trailer
mini-ciclo eleições americanas (ii)

Este é um documentário que retrata os últimos dias da campanha de 2004, que opôs George W. Bush a John Kerry. A expressão que diz "as Ohio goes... so goes the nation" tem fundamento no facto de nunca nenhum candidato presidencial ter sido eleito sem vencer o estado de Ohio - com a excepção de JFK em 1968. E de facto, na eleição de 2004, Ohio viria a revelar-se decisivo. As sondagens realizadas à saída das urnas não conseguiam prever um vencedor e Ohio foi mesmo o último estado a revelar os resultados da noite, com o vencedor do estado a ganhar a eleição nacional. Há muito tempo que se suspeitava que Ohio teria o papel decisivo que a Florida teve em 2000 e durante meses a fio isso reflectiu-se numa intensa batalha política. Um dos trunfos do filme é a escolha em utilizar Ohio como uma amostra do que aconteceu a nível nacional, amplificando quanto renhida e casa a casa foi a luta por votos.

O documentário é bastante convencional, seguindo duas linhas narrativas paralelas: por um lado, entrevistas a estrategas de posições com considerável importância nas duas campanhas, que comentam a campanha com a distância que o tempo permite; por outro lado um grupo de pessoas que está envolvido em acções directas no terreno, que tenta convencer os últimos indecisos. Estas campanhas que decorrem próximas dos eleitores revelam-se atípicas, na forma como muitas vezes decidem-se por visitas porta a porta, com voluntários a percorrer as ruas que lhes são atribuídas. Além dos partidos, há sempre grande interferência de vários grupos ligados a determinadas plataformas e as eleições de 2004 foram especialmente influenciadas pelas culture wars, em que assuntos fracturantes a nível moral foram utilizados para mobilizar grande parte dos eleitores.

Mas são as imagens do próprio dia da eleição, com as filas intermináveis de pessoas debaixo de chuva à espera da sua vez de votar, e os momentos imediatos ao anúncio dos resultados, que constituem o ponto forte do filme e que permitem observar a comoção que afecta os envolvidos. É notável verificar a convivência paralela entre uma quase ingenuidade e entusiasmo honesto pelo processo democrático, e o papel das dirty politics, que transpira quer através da supressão de votos, quer através de campanhas negativas e ataques pessoais. É uma dualidade em confronto na parte final do filme, entre o entusiasmo e o pessimismo, entre a perseverança da esperança que uma pessoa pode fazer a diferença e entre a procura duvidosa de brechas na lei para diminuir o número de votos no oponente. Mais que um evento político, as eleições são também um evento cultural e para isso ajuda a cultura do espectáculo, que rodeia e define os momentos capturados no filme. A realidade longínqua, a que as pessoas retratadas no filme assistem na televisão das suas casas, transforma-se em algo palpável, faz parte da sua vida, nem que seja por breves momentos.

2004: G. W. Bush: 50.8% / John Kerry:  48.7%
sondagem Ohio: Obama: 47% / Romney: 46%

outubro 03, 2012

eleições americanas (i): Game Change (2012)

Game Change

Game Change (2012), 6/10
mini-ciclo eleições americanas (i)

Game Change é um filme feito para a televisão, do realizador Jay Roach, responsável pelo elucidador Recount (2008). Tal como Recount, que era sobre a confusão das recontagens de votos na Florida em 2000, este é um filme que ficciona eventos reais, recriados através de depoimentos das pessoas que viveram as situações descritas, recolhidos no livro homónimo publicado em 2010. Trata da campanha de 2008, mais especificamente da escolha de McCain em apontar Sarah Palin como a sua candidata a vice-presidente. McCain decidiu apostar numa jogada arriscada que alterasse a dinâmica da campanha e reduzisse a vantagem que Obama detinha desde as primárias e do embate com Hillary Clinton. Mas considerando a falta de tempo e a pressão para agitar o cenário político, a escolha de Palin, em grande parte devido à sua imagem de conservadora carismática, não foi suficientemente acautelada. As vantagens iniciais pareciam ofuscar as desvantagens, mas rapidamente a impreparação e incompetência de Palin viriam ao de cima, e a jogada de McCain revelar-se-ia um golpe de marketing falhado, com consequências catastróficas para a sua campanha.

Interessado, acima de tudo, em explorar o fenómeno da celebrização da política, não assistimos, em Game Change, a grandes manobras de bastidores, debates sobre estratégias ou trocas de ideias de índole política. A grande decisão estratégica estava tomada, restava minimizar o erro, isto é, esconder Palin do escrutínio público. Palin transforma-se instantaneamente numa celebridade, numa estrela de um mau reality show, e à medida que a data das eleições se aproxima, surgem as exibições de egoísmo infantil.  A preparação para uma primeira entrevista e para o debate revelam um preocupante autismo por parte de Palin, e sucedem-se os problemas de comunicação dentro da própria campanha republicana. A maior preocupação de Game Change é mostrar que Palin, antes de ser uma figura política com convicções, é uma actriz, uma figura oca, à qual se aplica uma matriz ideológica e se ministram talking points, sem esta realmente saber o que defende. O importante será apenas a imagem pública, é a única coisa que interessa, pois a aparência e todo o aparato à sua volta escondem alguém profundamente vazio. Não admira que Palin se concentre apenas em manipular a sua imagem e fuja ao diálogo, porque tudo o que não seja baseado num guião previamente definido e preparado está fora do controlo. Game Change, apesar de uma linguagem televisiva dinâmica, perde-se ao relevar demasiada atenção a uma figura secundária, um fait-divers, no que foi uma eleição histórica.