ou
Lady Chatterley et l'homme des bois de Pascale Ferran, 2007
com Marina Hands, Jean-Louis Coullo'ch, Hippolyte Girardot
9/10
É uma adaptação ao livro Lady Chatterley’s Lover de D.H. Lawrence (mais propriamente à segunda versão - John Thomas and Lady Jane), uma adaptação sempre díficil (tendo em conta outras versões mais famosas pelas abordagens softcore) pois um filme de 2h50min principalmente contemplativo com uma narrativa menos linear que aparenta requer sempre alguma empatia por parte do espectador. Ou seja, pode ser uma fronteira ténue entre uma obra tediosa e pretensiosa e uma obra captivante e que cria laços afectivos com o desenrolar da história – requer algum envolvimento do espectador.
O primeiro ponto a favor é a complexa personagem de Constance, a Lady Chatterley do título que carrega todo o filme durante a sua duração com uma fabulosa interpretação de Mariana Hands, que acrescenta várias dimensões à sua personagem. É uma mulher presa a um marido aristocrata/empresário, que está restringido a uma cadeira de rodas após a 1ª Guerra Mundial. (um curto diálogo entre os homens num jantar logo no início estabelece eficazmente o status quo e a relação com a sociedade deste “mundo”)
É este um dos problemas de Constance, reduzida a tratar do seu marido como uma simples enfermeira, uma relação vazia de afecto.
É portanto uma história de procura de liberdade, de descoberta própria e do despertar de novas emoções, esquecidas e interditas.
Um dia, nessa procura de fuga à monotonia, num passeio pela imensa propriedade encontra o couteiro/guarda-caça a lavar-se. É o primeiro momento revelador do filme e tem um impacto profundo sobre Constance – o choque initial de um corpo semi-nu desperta nela um sentimento adormecido e à noite antes de se deitar, despe-se, e ao recordar a imagem que viu, examina o seu corpo num espelho, num plano em que toda a inquietação da personagem é vísivel. Está lançada a curiosidade e Constance introduz-se ao couteiro, passando mais tempo na sua companhia enquanto ele, desconfiado e intrigado lhe permite a aproximação.
A mera presença conjunta dos dois enquanto tratam de tarefas banais permite-nos ver como ela o descobre a cada dia que passa e como resiste à avaliação do seu marido sobre o couteiro como um primitivo bruto (outra interpretação soberba de Jean-Louis Coullo'ch, com resquícios de Marlon Brando), que de facto influencia a nossa percepção inicial da personagem, aliado aos maneirismos simplistas que este apresenta.
É neste período longo, cheio de insinuações mas em que nada acontece, como se nada fosse inocentemente acontecer, que a interacção tímida por parte de Constance e respeitosa do couteiro (afinal, ela é a mulher do chefe) permite desenvolver um preguiçoso e idílico desejo , enquanto ideias se desenvolvem nas mentes de cada um.
É pois natural o momento em que se desenvolve o primeiro contacto entre os dois, mas não deixa de ser revelador da delicadeza e ternura que a sua relação vai conhecer o modo como acontece, quando Constance se deixa emocionar com um nascimento de um passáro e ele a abraça. É também revelador o pouco diálogo que partilham no inicio: “É isto que queres?” “Estas coisas acontecem”.
Há uma evolução a vários níveis dos seguintes encontros amorosos entre os dois, que transborda para a o dia-a-dia de Constance na forma como este se comporta perante outros (e por exemplo, olha para outros, na cena em que espera no carro à porta da mina). Representa uma alteração na forma como Constance pensa acerca de si própria, de uma liberdade que ela se permite descobrir e de uma conquista de intimidade entre os dois. O primeiro encontro, com ela quase inerte e completamente vestida, passando por um encontro quase casual nos bosques e por outro de uma maior descoberta (e combinado quase de uma forma adolescente – quando passa a ser algo menos consciente e mais natural), até à cena de liberdade total e completa ausência de qualquer sentimento de culpa, em que os dois amantes correm nús pela floresta debaixo de uma chuva purificadora – um renascimento da consciência, numa cena com conotações paradisíacas.
Há um paralelismo óbvio entre o nascer de um romance e o ambiente circundante de primavera florescente e é algo utlizado com grande sentido estético por Pascale Ferran, com composições amplas envolvendo sempre elementos da natureza como os bosques, pequenos rios, flores isoladas que muitas vezes são também filmados de perto quando Constance lhes dedica atenção; as cores utilizadas reflectem principalmente esse ambiente primaveril e solarento, em que as cores das roupas de Constance contrastam com o cenário, focalizando o seu deslocamento inicial. As composições largas dão lugar a planos mais fechados sobre detalhes nas cenas intímas, interiorizando os momentos de paixão.
Outro aspecto que acentua todo o ambiente despretensioso e natural é a quase ausência de música, com a supremacia dos sons do campo. Existem algumas peças curtas de música, notavelmente durante a caminhada seguinte de Constance depois do primeiro encontro amoroso e outra em que ela toca ao piano enquanto o marido se barbeia – como se nos tivessemos esquecido que ela o sabia tocar. Existem também duas alturas em que são utilizados voice-overs, e a própria acção é dividida por inserts de pequenos textos, que acaba por funcionar eficazmente para gerir o ritmo do filme.
A afirmação de Constance não pode ser isolada de uma certa incapacidade do seu marido, fechado na sociedade aristrocrática inglesa-industrial do pós 1ª Guerra Mundial, com desdém pelas classes baixas que trabalham para ele (num diálogo deixa claro o que pensa sobre greves, diminuindo as dúvidas de Constance), numa fleuma acentuada na sua relação com outros, que quase atinge a sua própria relação com a mulher. Há uma cena fabulosa carregada de simbolismo em que este tenta passear pela propriedade numa cadeira motorizada, obstinadamente recusando qualquer ajuda, onde acaba por ser empurrado colina acima por Constance e o couteiro.
Finalmente, é de notar que para uma relação que começa quase timidamente, evolui sem grandes palavras, o filme acabe com um diálogo franco e revelador de fragilidades entre os dois.