Gasland de Josh Fox, EUA 2010, 7/10
nomeado para Oscar Melhor Documentário
Ver que perante a proximidade da chama de um isqueiro a água que escorre da torneira de uma cozinha entra em combustão, ou animais a perderem pêlo e peso como se tivessem sido expostos a radiação quando apenas beberam água de um riacho nem é a coisa mais impressionante no filme. O documentário, realizado e produzido de forma quase artesanal com poucos meios tem um trunfo a seu favor, já que o realizador é alguém que foi directamente afectado pelo tema que aborda "Gasland". Após ter recebido uma proposta de uma companhia de energia para explorar os direitos minerais da sua propriedade, Josh Fox decide investigar o real propósito e possíveis consequências que aquela oferta envolve. Em pouco tempo descobre casos semelhantes ao seu, em que a aceitação da oferta teve resultados desastrosos: a contaminação das reservas de água que acontecem a partir da exploração de reservas de gás natural, através de um processo denominado "
fracking". Basicamente, o tipo de perfuração utilizado para chegar ao gás acaba por fracturar o subterrâneo, quebrando as barreiras de separação entre as reservas de água e as reservas de gás. Depois, usando uma quantidade enorme de químicos tóxicos para extrair o gás para a superfície, estes químicos acabam por contagiar a água. Esta contaminação da água e do subsolo, não é anunciada nem prevenida pelas empresas que extraem o gás, e pior, acaba por pôr em perigo a saúde das pessoas que habitam essas áreas ou vivem da água, agricultura ou animais subjacentes a esses solos. Fox, como narrador-investigador do documentário revela inúmeros casos de pessoas que adoeceram, alguns entrevistados durante o filme, e alguns casos em que as pessoas não sobreviveram. Porque o mais assustador em "Gasland" é a escala a que se joga com a saúde pública, a saúde de pessoas que no filme deixam de ser meras estatísticas para terem uma cara. É a sustentabilidade do futuro de uma sociedade que é arriscado aqui. O que é realmente assustador e exposto em Gasland é a cegueira corporativa e o conluio político apresentados, o ponto até onde se está disponível a ir na procura de lucros, a ocultação dos estragos ambientais, a compra de silêncios ou a litigação contra quem ameaçar expor o perigo real.
Em Gasland é como se assistíssemos finalmente à materialização dos perigos expostos em "
Food Inc.", como se de repente fosse mais fácil ver os efeitos da poluição escondida e a contaminação dos alimentos quando se abrem aquelas torneiras cuja água é inflamável. É como ver finalmente uma representação física da ganância explorada em "Inside Job", dos incentivos aos ganhos a curto-prazo que motivam a indústria, ao mesmo tempo que se envenena, literalmente, as reservas futuras de água. É mesmo uma explosão de clarividência que é impossível não notar, abismados. Fox parte num
road movie à procura de mais exemplos, mais testemunhos, que vão surgindo à medida que a exploração do gás se vai multiplicando por diferentes campos de extracção, e aparecem diferentes casos de contaminação e doença. É também uma viagem pela américa rural, américa esquecida e sacrificada. Mesmo que o formato deste documentário se revele limitado, e que falte um estudo mais esclarecido e conciso do problema envolvendo depoimentos de peritos na área como existe em "
Food Inc.", apesar da repetição que se instala quando deixa de haver novo material e alguns passos em falso ao puxar por momentos emocionais, que não têm ligação com o espectador, "Gasland" é importante. É um abrir de olhos necessário a um problema que está demasiado escondido no subterrâneo da agenda jornalística e uma chamada de atenção para o perigo de combustão do modo de vida e modelo da sociedade.