os melhores filmes de 2012, na 15ª edição
Junkie Awards.
menções honrosas:
Shame de Steve McQueen, Reino Unido
We Need to Talk About Kevin de Lynne Ramsay, EUA/Reino Unido
The Future de Miranda July, EUA
Bonsái de Cristián Jiménez, Chile
Holy Motors de Leos Carax, França
10. Kiseki de Hirokazu Koreeda, Japão
Filme herdeiro de
Dare mo shiranai (Ninguém Sabe, 2004) na forma como aborda a desintegração da família nuclear (ou antes, da normalização da sua fragmentação), continua a preocupação japonesa em olhar esse mundo desfeito através dos mais novos. No entanto, o vazio emocional é aqui preenchido por uma multitude de detalhes visuais, contrastando com os silêncios desesperados de
Dare mo shiranai, e por consequência, substituindo o lamento da perda de inocência com esperança na imaginação como escape. É porventura um Koreeda mais optimista, mesmo que momentaneamente.
9. Le Havre de Aki Kaurismäki, Finlândia
Kaurismaki disse certo dia que com cada novo filme que faz tenta fazer algo próximo do cinema de Ozu, mas que sabe que nunca chegará perto. Com este retrato de uma pequena comunidade portuária, que une-se para dar abrigo a um jovem emigrante perdido num país estranho, Kaurismaki atinge pelo menos muitos dos elementos dos filmes de Ozu. A unidade formal e um cuidado de enquadramento aliam-se a uma história agridoce, dividida entre a relação entre o rapaz imigrante e o velho que o ajuda, e a relação deste com a sua mulher, que entretanto se refugia num hospital para morrer. Ao estabelecer uma fórmula base, para depois dar espaço aos personagens e à história para crescerem na atenção do espectador,
Le Havre acaba por não mais o abandonar.
8. Take Shelter de Jeff Nichols, EUA
Há uma epidemia na América que está a infectar o seu cinema independente: o medo de perder a cabeça. Um retrato feroz da espiral depressiva em que entra um homem, é um sintoma do mau tempo que assola a América, assombrada pelos seus receios. Um afluente thriller psicológico que se resolve na cabeça da personagem principal, onde o maior mérito do filme é exactamente colocar-nos na sua pele, levar-nos a duvidar da realidade que ali é construída. Na dualidade entre acreditar se aquilo pode realmente acontecer ou se é apenas uma fabricação perigosa da mente, em que uma premonição para ser verdadeira exige fé, estabelece-se um paralelo com a religião. Mas é quando Nichols consegue conviver num simples plano de campo/contra-campo a insanidade e a lucidez, que o filme se torna notável na sua paranóia.
7. Wuthering Heights de Andrea Arnold, Reino Unido
Andrea Arnold consegue aqui uma abordagem refrescante a material bem conhecido (nono filme sobre o livro), através da infusão de uma sensibilidade sensorial e intimista à história. Num estilo por vezes reminiscente do cinema de Malick, o resultado é uma aproximação à capacidade descritiva da literatura, do encanto em deter-se em pequenos pormenores, como o sussurro do vento ou o ocaso provocado pelo nevoeiro, contagiando os actores com os elementos naturais à sua volta. A recorrente explosão calma de impulsos visuais é desorientadora, mas no bom sentido, imitando a convulsão sentida pelas personagens. Os desencontros têm assim mais encanto.
6. Martha Marcy May Marlene de Sean Durkin, EUA
Sean Durkin é o colega de Antonio Campos na produtora que nos ofereceu
Afterschool, e se há uma nova linguagem no cinema americano, é nos filmes destes dois que tem ganho espaço para gestar. Com este filme, Durkin parece infectado pelo mesmo tema de
Take Shelter, que desta vez é pintado através de uma rapariga foragida de um culto, que não consegue ter a certeza se o chão que pisa é seguro. Alternando entre sequências do tempo que passou numa comunidade rendida a um líder obscuro, e a sua recepção junto da própria família que não acredita na sua capacidade de recuperação, consegue navegar entre um surrealismo que nasce da quietude cénica e uma tensão constante que nasce da falta de contexto.
5. Oslo, 31. august de Joachim Trier, Noruega
Depois de um período longo de ausência após o aclamado
Reprise, Trier retoma aqui o imaginário das personagens tombadas pelo seu destino. Se desta vez a escala é menos ambiciosa, ao filmar um último dia de verão em Oslo, permite ao mesmo tempo o gesto de um registo intimista e anestesiado. Desde o início, que mostra a tentativa de suicídio da personagem principal, depois deste aparecer em frente a uma janela como um fantasma, que Trier estabelece que este é um filme sobre alguém em desvanecimento, ou perigosamente próximo disso. O que se segue é um período de convalescença, à procura da esperança.
4. Tabu de Miguel Gomes, Portugal
Parte filme mudo sobre um romance trágico numa África fantasmagórica, parte filme moderno sobre uma Lisboa de saudades, Tabu revela uma ambição intemporal. A teatralidade dos gestos despidos de palavras nos momentos sem diálogos, embalada por uma narração melancólica, ajuda a compor uma mitologia própria, numa terra imaginada mas não tão distante. Por contraste, a lentidão soturna na fase descendente da história filmada em Lisboa, revela uma expressividade reprimida, que reforça o sentimento de perda, e ao mesmo tempo o alcance na memória do que aconteceu antes.
3. Amour de Michael Haneke, Áustria/França
Amour mostra que apesar de Haneke ser frequentemente acusado de cinismo e calculismo nas suas abordagens, não falta humanismo no seu cinema. Este filme sobre os últimos tempos da vida de um casal, prova que a Haneke interessa também a luz da esperança que ilumina o espírito humano, mesmo que aqui sejam luzes de desvanecimento. Se a música é significante de conforto, não admira que aqui seja sempre interrompida - não há descanso em relação à realidade, não se pode desviar o olhar. Se o filme respira através das interpretações de outro mundo de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, é a encenação de Haneke que providencia uma chamada de inevitabilidade e empatia em relação às personagens. É impossível não fazer a ligação com o espectador, não ver no filme a vida que teima em fugir, e nos olhares, um espelho trágico.
2. A torinói ló (O Cavalo de Turim) de Béla Tarr, Hungria
Reza a história que Nietzsche, certo dia, parou na rua para insurgir-se contra um homem que espancava um cavalo, colocando-se à frente do animal para o defender - no dia seguinte, cairia doente numa cama, para não voltar a falar. É a partir deste ponto de partida que Tarr constrói um lento fade out, um tratado destinado a alertar a humanidade sobre o perigo de cair na escuridão. Um filme-gesto, militante na forma como expande as suas ideias através de um longa analogia, que vive da repetição de gestos cada vez mais sem sentido, é também um filme-testamento da obra de Tarr. Inflexível, inamovível, mostra a peso insuportável da passagem do tempo como nenhum outro filme. [crítica completa
aqui]
1. Bir zamanlar Anadolu'da (Era Uma Vez na Anatólia) de Nuri Bilge Ceylan, Turquia
O filme, que acompanha uma viagem pelo interior esquecido da Turquia na tentativa de solucionar um crime, é no fundo um pretexto para um exercício existencialista. A dissecação da natureza humana que se segue, aliada a um ritmo lento, propício a divagações paralelas e introspecção onde, tal como o filme, nada parece ser possível solucionar, encontra no filme o espaço necessário. O vazio das personagens que se deslinda lentamente com pequenos gestos, é preenchido pela vastidão dos cenários que se repetem também sem fim à vista. A fotografia, e acima de tudo a iluminação e a falta dela, delimitam o que é possível pressentir. É no encoberto, no que se esconde imediatamente fora da luz, que se evoca a escuridão omnipresente. E no fim, a única ambição é fugir.