agosto 01, 2012

Obrigação

Obrigação

Obrigação de João Canijo, Portugal 2012, 6/10

Obrigação é um filme encomenda (do Festival Curtas Vila do Conde) e é também um filme inacabado. Isto segundo as próprias palavras de Canijo, que ao apresentar o filme desculpou-se com a falta de tempo para montar o filme, e porventura, encontrar uma narrativa mais clara dentro do material filmado, pelo menos enquanto não surgir uma versão (prometida?) mais longa do filme. Aproximando-se muito mais de um registo documental clássico do que de uma ficção disfarçada de documentário, a única intrusão é a participação de Anabela Moreira. Como que um objecto estranho que nunca consegue pertencer ao grupo, a actriz (creditada como co-argumentista) intromete-se na realidade filmada como substituto do realizador, não tanto dirigindo as outras mulheres do filme que estão a interpretar-se a elas próprias (se é que há interpretação), mas extraindo informação sem interferir no rumo da acção. Esse papel pertence à personagem principal, uma alpha-male sob a forma de empresária controladora, que está sempre no centro da encenação, no espaço cedido por Canijo. É um espaço ocupado sempre por esta personagem, que de vez em quando permite a presença de outras pessoas, através do qual acompanhamos o quotidiano desta mulher de um homem do mar, e como ela se entrega a essa tarefa sagrada de ocupar-se de tudo que seja necessário. É ao mesmo tempo uma prova de que é capaz de o fazer (sozinha), e que consegue ser mais do que isso, do que lhe é esperado. É desta forma muito próxima da personagem mãe de Rita Blanco em Sangue do Meu Sangue. Tal como outras figuras femininas dos filmes de Canijo, são mulheres a tentarem provar o seu amor, a tentarem provar que são fortes. A ausência constante do marido é assim aqui ultrapassada, mesmo que o filme fale mais da saudade do que a mostre.

O filme é clinicamente metódico na forma como representa a semana de trabalho, com longas sequências triviais como a viagem para a lota ou a distribuição do peixe que entretanto chegou por barco. De resto, pouco mais que o trabalho é mostrado e os poucos momentos de descanso são sempre ou com o trabalho em mente ou interrompidos pelo trabalho - e aí reside parte da explicação do título do filme, como é um fardo sempre presente. Talvez por não usar a sua equipa técnica própria ou por interesse numa tangente a um documentário, a encenação está longe da sofisticação de Sangue do Meu Sangue e Obrigação chega a estar perto de uma linguagem televisiva. Se haviam acusações de artificialidade quanto à forma como Canijo, em filmes anteriores, caracterizava as personagens recorrendo a facilitismos (o futebol, a música pimba), aqui Canijo defende-se com a câmara nas mãos, a registar o que não é encenado: uma cena de cinco minutos demonstra que sim, estas pessoas (e um terço da sala, que cantou em uníssono) realmente ouvem aquelas músicas que costumam pontuar os seus filmes. A curiosidade etnológica não passa de curiosidade pelo exotismo, e poderia haver algum interesse no retrato de uma comunidade fechada e tão singular, mas a personagem escolhida é uma excepção devido à sua condição económica. Tal como ela encomenda uma produção de um vídeo musical em que se substitui à cantora, aqui parece dirigir o filme segundo a sua agenda. Entretanto, a comunidade das Caxinas continua fechada: há muito mais histórias por contar nos olhares reprimidos das outras mulheres que aparecem nas margens do filme, essas sim sob o efeito de uma obrigação maior.

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