janeiro 26, 2017

Ama-San (2016)

Ama-San (2016) de Cláudia Varejão

Ama-San (2016) de Cláudia Varejão, 7/10

texto retirado da cobertura ao Porto/Post/Doc 2016 publicado aqui

Existem diversas formas de mostrar coragem, e uma tradição pode ainda ser uma forma de perturbar o status quo. Ama-San (2016) de Cláudia Varejão é um primoroso retrato de uma tradição milenar no Japão. Depois de Salomé Lamas no Peru, temos aqui outra realizadora portuguesa a viajar para o outro lado do mundo para resgatar do desconhecimento e eternizar uma comunidade singular. Sem contexto, vamos às escuras e assim o encanto perdura mais tempo, e cada gesto ganha maior importância pelo significado que procuramos nas imagens. O filme acompanha um grupo de mulheres do mar (as ama-san) numa península de pequenas vilas piscatórias, que se dedicam a uma forma de pesca através do mergulho em apneia, uma prática perpetuada há vários séculos, e que ainda é próxima da sua forma original. O respeito pela forma tradicional desta pesca, desde o lenço em que envolvem a cabeça como protecção, até à recusa em usar oxigénio, apenas reforça a dificuldade da tarefa a que estas mergulhadoras se dedicam de forma rotineira, porque para elas sempre foi assim, como é enaltecido pelas belíssimas imagens debaixo de água onde as amas se movimentam livremente.

Ao mesmo tempo estas mergulhadoras encarnam um papel de afirmação feminista pela sua bravura e inversão do seu papel tradicional numa sociedade muito conservadora, algo que surge naturalmente – os homens muito raramente aparecem no filme. A forma como Varejão acompanha o processo de trabalho das ama-san reafirma a naturalidade com que tudo se desenrola, mesmo que para o espectador longínquo seja exótico. Parte do mérito do filme provém da proximidade com que Varejão filma as amas, para o qual também contribuem os momentos em casa, reveladores que também nesse cenário estas mulheres não são menos incansáveis. Com a passagem do tempo, passamos também a encarar com naturalidade este modo de encarar a vida, e o filme transforma o excepcional em natural, porque assim o deve ser.

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