janeiro 19, 2012

Beginners

Beginners de Mike Mills, EUA 2010, 6/10


Beginners é um drama que antes de ser romântico tem consciência das complexidades do romance. Ao ser sobre a fragilidade que entrar numa relação supõe, ao deter-se sobre essa vulnerabilidade íntima que assombra qualquer início, diferencia-se de outros filmes deste género. Ao assumir um derrotismo indiferente,  prepara-nos para um final infeliz. É um pessimismo assumido desde o início que fica bem à personagem principal Oliver, interpretada por Ewan McGregor. Oliver é um designer gráfico com problemas de integração (na sociedade) e falta de interesse (na sociedade). Já se envolveu em algumas relações mas acabou sempre com elas por iniciativa própria ao fim de alguns meses, por isso se tornar o mais natural, por ser a defesa contra a desilusão. Ela é Melanie (por Marrio Cotillard), uma actriz perdida entre cidades, que tem o mesmo historial romântico de relações abandonadas. Se calhar porque não sabem fazer mais nada do que as abandonar, têm medo em prosseguir. A felicidade extrema e as borboletas do início são assombradas pelo terror de ter algo e depois o perder, o sofrimento de estar sujeito a sofrimento ensombra o êxtase das possibilidades. Talvez por isso é que o estado inicial da relação é o ideal, arrasta-se durante algum tempo. Como não há diálogo, não há lugar a desinteresse, logo adia-se a descoberta que afinal são mais que a superfície e o interior pode não ser compatível. É algo de que os dois estão bem conscientes e não sabem bem como o dizer ao outro.

A verdade é que Oliver não se encontra num momento bom e não é só por causa do vazio no seu coração. Como iremos descobrir lentamente durante o filme, o seu pai acabou de morrer quando o encontramos pela primeira vez. Pequenos episódios da história do seu pai (Christopher Plummer a espreitar um Oscar), da sua luta com uma doença prolongada, acompanham o progresso de Oliver no dia-a-dia presente, interferindo com a linearidade do filme. Como não sabemos disso logo no início, é necessário procurar contexto nas acções de Oliver, perceber a depressão e letargia permanente que parecem afectá-lo. Mas à medida que aprendemos mais sobre o seu pai e sobre como este depois da morte da mãe de Oliver se assumiu como homossexual, Oliver vai perdendo o medo e a apatia, mostrando eficientemente a ligação com a coragem do pai, como ele funciona como inspiração para Oliver. A história do pai de Oliver é acima de tudo sobre descobrir a liberdade aos setenta e largos anos, perder o medo a essa idade. Uma parábola que ele conta sobre o jogo de expectativas vs o perigo de esperar demasiado tempo ajudam a explicar como, apesar de tudo, está contente: era bom encontrar o leão, mas se for tarde demais temos que nos contentar com a girafa. E funciona como um alerta para Oliver: ao contrário do seu pai ainda estará a tempo de encontrar o seu leão (e seria terrível deixá-lo escapar). A jovialidade e vontade de viver do seu pai perto do fim representam arrependimentos que são derradeiras lições de vida, numa ligação pouco original. Mas é a perspectiva da mortalidade do pai reflectida na sua própria que ajuda Oliver a ultrapassar a sua philophobia.

É desta forma que Beginners é também um amadurecimento da geração indie, um compromisso adulto. Thumbsucker, o filme anterior de Mike Mills inseria-se perfeitamente no tal movimento indie, com as suas personagens renegadas, situações bizarras e sentimentos adolescentes confrangedores. São filmes visualmente semelhantes a "Me and You and Everyone We Know" (2005, de Miranda July), "Juno" (2007, de Jason Reitman) e "Les Amours Imaginaires" (2010, de Xavier Dolan). Com os seus momentos videoclip e silêncios desajeitados de geeks, são construções simétricas de personagens que não interessam à sociedade e não se interessam pela sociedade. Beginners acaba por ser a mesma experiência mas com um distanciamento cáustico, como se observássemos a personagem de "500 Days of Summer" anos mais tarde, amargurado pela passagem do tempo. O filme é uma colagem de várias gags visuais que pretendem mostrar a inspiração visual e a singularidade inteligente da visão do realizador. Essas sequências, como a montagem "History of Sadness" ou os graffiti corrosivos, revelam um sentido estético aprimorado, bom gosto. Mas revelam também a necessidade de mostrar bom gosto e de mostrar trabalho óbvio, como forma de celebrar a sua inteligência, de criar ideias que se tornem consensuais. É algo característico deste tipo de filme, que parece ter uma necessidade de preencher o vazio de acção e de caracterização das personagens compensando com identidade visual, que acaba por se tornar esquizofrénica.  Há até espaço para algumas concessões convencionais, como o pequeno desvio formular da separação temporária na relação antes do último acto, que o filme tem quase vergonha em assumir. O resultado final provoca uma perspectiva cínica e sedada. É essa perspectiva que não ajuda ao envolvimento emocional com as personagens, como não ajuda o facto de serem gente bonita num local distante idealizado e pós-burguês, fechado sobre si mesmo, inalcançável. Beginners pode realmente representar o crescimento desta geração, mas continua sem encontrar o que dizer.

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