Inside Job de Charles Ferguson, EUA 2010, 9/10 nomeado para Oscar Melhor Documentário
Charles Ferguson já tinha desmascarado as operações da Casa Branca no Iraque em "No End in Sight" e volta a fazê-lo, agora sobre a crise financeira de 2008, de modo igualmente esclarecedor e acusatório, em "Inside Job". Aliás, de um modo tão informativo e conciso que podemos considerar "Inside Job" como análogo a outro documentário marco do género infomentário, "An Inconvenient Truth". Ao contrário do filme de Al Gore que tem apenas um orador, em "Inside Job" Ferguson apoia-se em depoimentos de vários peritos conceituados e envolvidos no tema, e a pluralidade de opiniões ajudam a formar o quadro completo do que se passou. Se é demasiado convencional dentro do género em que se insere, utilizando as típicas entrevistas, gráficos informativos e uma narração (Matt Damon) para ligar todas as peças, neste caso para conduzir o filme através de uma linha narrativa construída, isso só joga a seu favor dada a complexidade e abstracção do assunto abordado. A simplicidade com que consegue desarmar um tema complexo e enunciar as várias fases do problema numa estrutura cronológica acaba por ser um dos atributos do filme.
"Inside Job" revela-se o título perfeito para tudo o que aconteceu, e para o objectivo que o filme pretende demonstrar. Além de uma perfeita lição sobre o funcionamento e origem da crise, assistimos também a uma completa e incriminatória exposição de factos incontestados, que passa por mostrar como: uma política continua de desregulamentação e liberalização do sistema financeiro, a escolha de elementos ligados a bancos de investimento para lugares importantes no definir das políticas económicas da Casa Branca, a criação de produtos financeiros cada vez mais arriscados e artificiais, e o conluio entre bancos, empresas seguradoras e agências de rating, tudo em conjunto, contribuiu para o desmoronamento de um modelo. Inside Job tem outro trunfo escondido que realmente o eleva a algo de extraordinário, que passa então pelo título do filme e pela conclusão para o que o filme caminha em toda a sua narrativa. Na parte final, vários peritos são desmascarados como beneficiários directos das políticas e teorias que defendem, de um gravíssimo conflicto de interesses que normalmente os impediria de darem a sua opinião por perderem qualquer validade, aqui expostos pela primeira vez. O conflito de interesses não é só entre o governo, bancos e faculdades. Existe dentro do próprio filme, quando pessoas que passaram o filme todo a defender um ponto de vista são desmascaradas como ganhando quantidades obscenas de dinheiro a defenderem esse ponto de vista como consultadores para agentes financeiros, e esse desmascarar é notável, é o golpe de graça do filme. É um dos grandes males da economia actual: o facto de os definidores de políticas beneficiarem das teorias que apregoam, que lhes enchem os bolsos à medida que se vão provando nefastas para o resto da população, com resultados práticos bastante evidentes. O mais alarmante e a conclusão final do filme é que nada mudou, caminha-se ainda na mesma direcção, e a imunidade e conluio entre políticos, banqueiros e opinion-makers continua, preparando o próximo ataque.
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