fevereiro 23, 2011

Restrepo


Restrepo de Tim Hetherington Sebastian Junger, EUA 2010, 8/10
nomeado para Oscar de Melhor Documentário

A punchline que surge no final do filme não é mais do que a súmula do que vamos pensando durante o filme a partir de certo ponto: a inutilidade, a futilidade abrasiva de tudo aquilo. Menos do que uma conclusão, é  um soco retroactivo. Restrepo é uma base do exército americano no meio de um vale afegão onde decorrem as mais sangrentas batalhas no país desde a presença americana no terreno: 40 soldados americanos morreram, centenas ficaram feridos, e as vítimas entre a população local, quer sejam meros civis ou afegãos ao serviço dos taliban, são tão elevadas que não existem números oficiais. Restrepo é também o nome de um soldado americano que aparece brevemente no início do documentário, cuja morte leva os outros soldados a darem o seu nome a um posto avançado que vai ser fundamental para deter o avanço do inimigo. O posto Restrepo torna-se assim um símbolo mutável: primeiro, uma base frágil cavada à mão no topo de uma colina cuja existência inóspita e perigo constante torna-o num local de sofrimento exaustivo; mais tarde, à medida que vão melhorando as condições e que se vai aguentando como uma importante base para dificultar as operações taliban na zona torna-se num símbolo da resistência, da díficil presença contínua americana no solo. O posto acaba assim por honrar o soldado Restrepo através de uma preserverança que os soldados julgam apropriada, um motivo de orgulho, numa evolução acompanhada ao longo do filme. Mas é uma evolução também acrescida de um derrotismo crescente, de uma degradação da moral dos soldados ali colocados, visível e ainda muito actual.

O filme faz duas escolhas estilisticamente importantes. Primeiro, procura um elevado nível de objectividade e nível de assimilação junto dos sujeitos que acompanha. Focando apenas a acção com um mínimo de contexto apresentado, num enorme afunilar de perspectiva, somos atirados para o meio da acção sem saber exactamente o que se está a passar. Colocando-se ao lado dos soldados que filma, a câmara desaparece mas ganhamos acesso a tudo, através de uma passagem de interveniente activo para testemunha camuflada. Este tom distanciado é logo estabelecido violentamente no primeiro plano do filme quando ao filmar um jipe por entre as estradas montanhosas, de repente ouvimos uma explosão e assistimos ao desenlace de um ataque à coluna americana - a confusão instala-se, a câmara continua a filmar, o som desliga-se da realidade mas o sangue esbatido na câmara é real, como real é o choque. Não é normal assistirmos a soldados nervosos antes de ultrapassarem uma colina, sermos educados sob o perigo real que espreita do outro lado, e depois ver a câmara seguir em frente, para encontrar um dos soldados ferido mortalmente, e o desamparo e desorientação frágil dos seus companheiros que se segue.

A outra escolha relevante do filme é mais convencional mas que joga aqui com a anterior. Interlaçado com as filmagens efectuadas no Afeganistão durante 2008 vão surgindo excertos de entrevistas com os soldados que fizeram parte daquela campanha. O importante porém é que os depoimentos foram gravados a posteriori, ou seja, alguns meses depois de os soldados terem regressado a casa. Isto desarma de alguma forma a tensão que vivemos dentro do filme pelo modo como a acção nos é apresentada: estes soldados vão sobreviver ao que estamos a ver (com duas ressalvas: um, nem todos os soldados são entrevistados por isso a segurança de todos não está garantida; dois, pela forma como os soldados são filmados de tão perto durante as entrevistas é natural esperar que a qualquer momento um zoom out revele uma cadeira de rodas ou um braço amputado). O significativo é que esta divisão temporal não é imediata para os soldados que ouvimos. A inabilidade deles fazerem essa distinção temporal, de se alienarem do que aconteceu e separarem o presente do passado é preocupante, mostra as feridas abertas por cicatrizar. É um retrato psicológico perturbante que nos é apresentado e ilustra a opção do filme em usar o julgamento subjectivo de quem viveu em primeira mão a experiência de combate, para completar um ponto de vista objectivo na forma como as filmagens no terrreno são expostas. Restrepo esforça-se por apresentar uma tela em branco para cada um tirar as suas conclusões, sem forçar uma agenda política, deixando as questões em aberto mas proporcionando material relevante para as colocar. Cada um chegará a ilações a partir das próprias suas construções e ideologias, contudo a frase que fecha o filme é demasiado incriminatória para não provocar uma reacção.

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