fevereiro 23, 2012

If a Tree Falls

If a Tree Falls: A Story of the Earth Liberation Front
de Marshall Curry e Sam Cullman, EUA 2011, 7/10
nomeado para Oscar de Melhor Documentário


Numa altura em que a corrida contra alterações climatéricas irreversíveis parece cada vez mais perdida, a actualidade define a relevância deste documentário. Os indicadores são cada vez mais negros: mantendo o actual nível de emissões de CO2, a temperatura média aumentará 3ºC até ao fim do século, com consequências fatais para países africanos e ilhas do pacífico; o protocolo de Quioto expira em 2012 e  repetem-se os falhanços em conseguir um novo acordo vinculativo entre países; os desastres ambientais sucedem-se a escalas cada vez maiores (Fukushima, Golfo do México); a dependência de energias fosseis cresce a níveis exponenciais enquanto surgem novas formas de extracção ainda mais perniciosas (Gasland, tar sands). Ao mesmo tempo, as manifestações a exigir acção antes que seja tarde demais expandem-se a um nível global: em 2009 durante a cimeira de Copenhaga, dezenas de milhares de pessoas de diferentes países desfilaram pelas ruas (e centenas foram presas); o último Earth Day teve a participação de 175 países. No entanto, dada a escassez de resultados das acções de protesto, é fácil encontrar um paralelo com o contexto em que surgiu a Earth Liberation Front (ELF), o tema deste documentário.

Formado no final da década de 90 por um grupo de activistas ambientais radicados no estado de Oregon dedicados a salvar a floresta local, a ELF surge como uma alternativa às organizações ecológicas tradicionais. Apesar da enorme força de vontade da comunidade local de activistas em fincar a sua posição de defesa do património natural da região, apesar dos seus protestos incensáveis e da denúncia das práticas da indústria madeireira, as florestas continuavam a ser dizimadas e o assunto persistia em ser ignorado pelos media. Os protestos pacíficos eram alvo de reacções cada vez mais violentas por parte da polícia, e as imagens de arquivo que mostram os protestantes a serem atacados indiscriminadamente com gás de pimenta ecoam as imagens que até há pouco tempo chegavam de Occupy Wall Street, numa premonição de abuso. Frustrados com o somatório de protestos infrutíferos e como resposta a ver os seus companheiros de acção pacífica serem violentamente atacados, um pequeno núcleo de activistas decide formar a Earth Liberation Front (ELF). Segundo este pequeno grupo era necessário outro modelo de resposta à agressão da polícia e da indústria madeireira, outra forma de combate mais adequada que substituísse as palavras de ordem. Nos anos seguintes, a ELF, com intervenções de crescente impacto e espectacularidade, através de acções directas que destroem propriedade privada de entidades julgadas culpadas de crimes ambientais, vai deixar a sua marca e vai também abalar o mundo activista.

Esta é a história das origens do eco-terrorismo, de uma radicalização do protesto, mas é também a história de um dos seus membros originários, Daniel McGowanMcGowan foi capturado pelo FBI em 2005 e encontra-se em prisão domiciliária no início do filme, a aguardar julgamento por crimes de terrorismo, pelos quais poderá ser condenado a prisão perpétua. Através dos seus depoimentos descobrimos que foi denunciado por outro membro da ELF e que a sua pena poderá ser reduzida se aceitar fazer o mesmo, o que lhe coloca um dilema moral. Utilizando recriações das situações mais dramáticas, o documentário consegue criar um forte sentimento de suspense, com foco na perseguição aos membros pelas forças policiais, que a partir de certo ponto se vêm forçados à clandestinidade, considerados pelo FBI como a maior ameaça à segurança nacional. Recorrendo a depoimentos de outros membros, de investigadores e de vítimas dos ataques, o filme demonstra como as acções da ELF tornaram-se cada vez mais perigosas e ambíguas nos seus objectivos, descarrilando em tensões entre os seus membros sobre qual o rumo a seguir. Uma das últimas acções da ELF foi a participação nos protestos da cimeira WTO de Seattle em 1999, onde integrando o blac bloc (anarquistas), lançaram o caos num protesto até aí pacífico. A violência que rodeou esse evento e a consequente cobertura mediática dessa violência levou a um descrédito geral dos protestos anti-globalização, marcados pelo estigma do vandalismo e pela vigilância paranóica pós 9/11. Se a ELF tinha inicialmente conseguido superar a falta de resultados dos protestos pacíficos com acções com resultados directos, o crescente ambiente de violência e a contaminação do movimento anti-globalização levou a que este se tornasse demasiado marginalizado para ser levado a sério, afectando negativamente  esforços das organizações ecológicas tradicionais em garantir apoio junto de um público maior. Isso é evidente em algumas declarações de McGowan, que marcado pessoalmente pelas consequências dos seus actos, revela contrição em relação à mudança de direcção do movimento, desviado dos seus objectivos iniciais.

O filme não apresenta imagens com a alta definição de "Hell and Back Again", nem os atributos de uma grande produção como em "The Cove", aproximando-se mais de uma linha jornalística de investigação semelhante a "Gasland" ou "Food Inc". O aspecto mais amador do filme é no entanto compensado pela exposição eficiente da complexa história do movimento eco-terrorista, pelos depoimentos que apresenta e  pelas extraordinárias imagens de arquivo. Especialmente relevante são as questões que levanta relacionadas com o activismo ecológico e sobre a forma como este ainda é encarado na América. É ainda um assunto politicamente fracturante, o que é visível na desproporcionalidade da pena, uma brutalidade para um crime de destruição de propriedade alheia só possível por se equivaler o crime a um acto de terrorismo. Só o facto de ainda se continuar a equiparar a terrorismo é revelador da pouca simpatia que o assunto recolhe por parte da população em geral, e é revelador da falta de consciência que existe na própria apropriação da palavra terrorismo - não será mais nociva toda a agressão ecológica praticada por inúmeras empresas na sua produção, não será antes isso eco-terrorismo? No fundo, o documentário que relata eventos da década de 90, mostra como é possível ler nas repercussões desses eventos muito sobre o estado actual da América.


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