nomeado para Oscar Melhor Documentário 2012
O título do filme refere-se a uma expressão utilizada por uma das personagens para descrever a sua situação, mas serve também para enunciar o principal artifício do filme. Alternando entre duas realidades distintas, acompanhamos o dia-a-dia paralelo de um soldado numa campanha militar no Afeganistão e no seu regresso a casa. O documentário pretende sugerir com o título e com a edição alternada entre as duas realidades que estamos sempre a regressar ao inferno afegão, do mesmo modo que as memórias do soldado se intrometem no seu dia para assombrar o seu presente. O soldado que vai servir de guia ao documentário é um sargento a cumprir a sua terceira missão, que será ferido gravemente perto do fim da missão, fracturando a anca e a perna direita e assim marcando o início do seu tormento. A verdade é que nunca saímos do inferno mesmo quando o filme regressa à América, porque o presente não é tão pacífico como se desejaria, nem o pior já terá passado. Algures entre os vales afegãos perdeu-se o jovem impetuoso, que acreditava estar a fazer algo importante, substituído por um outro, amargurado pelo seu destino. O que parece angustia-lo não é tanto o sofrimento causado pelo seu ferimento, apesar das náuseas constantes provocadas pelos medicamentos, mas o regresso a uma normalidade que representa uma perda de independência. Não é fácil aceitar ter de lidar com trivialidades quotidianas ou passar o tempo à espera da recuperação física a depender de outros, depois de desafiar a insegurança permanente e as balas perdidas do Afeganistão. Um sentimento de incapacidade vai afectá-lo constantemente e abrir fissuras no relacionamento com as pessoas à sua volta. Daí que não seja surpreendente que a sua motivação seja sempre regressar ao combate, para voltar a sentir-se útil, porque é a solução que consegue imaginar para voltar a ser quem já foi. Quem acaba por sofrer por proximidade é a sua mulher, que profere a tal expressão que dá o nome ao filme, porque parece não considerar a possibilidade do regresso do seu marido ao combate, não percebe que é nisso que reside a esperança dele. Totalmente absorvida na recuperação do marido, não reconhece o vício do soldado na adrenalina do combate, mesmo que partilhe a cama com a arma que ele mantém carregada no seu lado do colchão. Esse vício é sublinhado de maneira óbvia quando vemos o soldado a jogar um videojogo que recria cenários de guerra, uma das vinhetas que pretendem estabelecer um quotidiano de isolamento e inadaptação à vida civil, mas que provocam pouca empatia para com a sua alienação. Ao mesmo tempo, as imagens paralelas filmadas no Afeganistão pouco contribuem para revelar a personalidade deste soldado que se confunde com outros tantos militares, cópias autómatas e sem definição. A certa altura, este sargento revela que a sua motivação para entrar para o exército foi a sua vontade de matar para ajudar o seu país e o retrato fica mais transparente. Entre situações surreais como tiroteios contra inimigos invisíveis e reuniões absurdas com habitantes locais, vislumbra-se que nem os próprios soldados reconhecem que entraram por um caminho sem regresso possível.
"Hell and Back Again" é um documentário muito estilizado, quer através da edição, quer através do som, factores que revelam constantemente uma visão subjectiva, uma narrativa que interfere com as imagens objectivas. A câmara que tanto procura tornar-se invisível para capturar o natural, acaba por ser anulada pelo tratamento do material captado. É importante considerar uma comparação com "Restrepo", outro documentário sobre o mesmo tema nomeado para o Oscar em 2011, para perceber onde "Hell and Back Again" apresenta as suas debilidades. "Restrepo" é um retrato cru e inescapavel, que questiona a futilidade da missão americana no Afeganistão, contrapondo as dificuldades vividas no terreno com os escassos resultados obtidos. Essa visão crítica, que resulta de uma aproximação íntima à psicologia dos homens no terreno e à apropriação do isolamento na guerra, por oposição ao isolamento apenas ao regressar a casa, nunca acontece com "Hell and Back Again". O foco de "Restrepo" nos soldados e nas condições que enfrentam é algo que falta neste documentário, satisfeito em contrapor o quotidiano no Afeganistão com a vida em casa. Sem esse foco, que permite uma ligação a uma realidade tangível, "Hell and Back Again" assemelha-se mais a uma colecção de imagens violentas e desligadas, como um videojogo. Ao mesmo tempo que explora um patriotismo barato através da celebração do esforço das tropas, mostra o seu abandono no regresso a casa perante a indiferença à guerra, como se fosse possível um comentário apolítico, apesar das suas escolhas objectivas. Ao tentar identificar-se com um dos soldados que não consegue ter uma opinião crítica nem perceber que ao querer voltar ao mesmo, fica viciado num ciclo condenado, o filme acaba por se tornar ele próprio autómato.
"Hell and Back Again" é um documentário muito estilizado, quer através da edição, quer através do som, factores que revelam constantemente uma visão subjectiva, uma narrativa que interfere com as imagens objectivas. A câmara que tanto procura tornar-se invisível para capturar o natural, acaba por ser anulada pelo tratamento do material captado. É importante considerar uma comparação com "Restrepo", outro documentário sobre o mesmo tema nomeado para o Oscar em 2011, para perceber onde "Hell and Back Again" apresenta as suas debilidades. "Restrepo" é um retrato cru e inescapavel, que questiona a futilidade da missão americana no Afeganistão, contrapondo as dificuldades vividas no terreno com os escassos resultados obtidos. Essa visão crítica, que resulta de uma aproximação íntima à psicologia dos homens no terreno e à apropriação do isolamento na guerra, por oposição ao isolamento apenas ao regressar a casa, nunca acontece com "Hell and Back Again". O foco de "Restrepo" nos soldados e nas condições que enfrentam é algo que falta neste documentário, satisfeito em contrapor o quotidiano no Afeganistão com a vida em casa. Sem esse foco, que permite uma ligação a uma realidade tangível, "Hell and Back Again" assemelha-se mais a uma colecção de imagens violentas e desligadas, como um videojogo. Ao mesmo tempo que explora um patriotismo barato através da celebração do esforço das tropas, mostra o seu abandono no regresso a casa perante a indiferença à guerra, como se fosse possível um comentário apolítico, apesar das suas escolhas objectivas. Ao tentar identificar-se com um dos soldados que não consegue ter uma opinião crítica nem perceber que ao querer voltar ao mesmo, fica viciado num ciclo condenado, o filme acaba por se tornar ele próprio autómato.
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