outubro 14, 2010

Manoro

Manoro de Brillante Mendoza, Filipinas 2006 – 6/10


Manoro começa por ser um um registo puramente documental, com a câmara estacionada a capturar momentos da realidade para mais tarde deixar-se infiltrar por um registo ficcionado que ajuda a compor a carta de intenções do filme. Logo no início somos confrontados com um cartão que refere o problema de analfabetização nas Filipinas e vemos o trabalho de uma ONG em tentar expandir a educação a crianças desfavorecidas e a primeira sequência mostra-nos um grupo dessas crianças no último dia de aulas num caos trivializado pela sua habituação. É quando Mendoza segue estas crianças quando são transportadas para as suas aldeias remotas que somos confrontados com a dura realidade da sua existência, aldeias onde mesmo assim a sua educação revela importância pela forma como lhes vai permitir ensinar os familiares mais velhos a escrever o nome de forma a poder votarem nas próximas eleições presidenciais. As crianças tornam-se o professor para o resto da aldeia, ganham um próposito, mas não é muito claro se é um esforço útil para aquela população.

É portanto acima de tudo uma notação documental - reforçado pelo uso de actores não profissionais - da importância da educação e das consequências directas no quotidiano filipino desta demonstração do poder de um pequeno gesto que representa uma evolução mínima mas que tem efeitos directos sobre a vida das pessoas pela eliminação de barreiras socias. Mas Mendoza entra num registo ficcionado para através do quotidiano dessas aldeias gravar a distância em relação ao resto do mundo, do ritmo parco e da lentidão de ensinar aos mais velhos como podem votar, e se é enternecedor pela forma como estes prestam atenção ao comando dos mais novos e como os mais novos ganham uma aplicação prática para a educação que tiveram – o acto democrático adquire para eles a ideia de algo relevante, o que nem sempre é compartilhada pelos mais velhos – é a entrada no seu dia a dia exógeno e de pobreza que permite compreender a tese do filme que reside no facto de uma educação e de uma participação democrática quando confrontados com esta realidade exposta e alongada no filme se tornar quase numa noção estrangeira às vidas das pessoas que esta tentativa de ajuda de alfabetização tenta atingir, que apenas o filme consegue atingir na intimidade dos gestos das suas vidas.

Logo o contraste criado por Mendoza acaba por revelar um tom amargo, dividido entre as composições contemplativas das dificuldades quotidianas e da perturbação que a educação traz a estas populações momentaneamente: o progresso frugal que esta educação permite acaba por ter resultados mistos. Se a educação permite a integração desta população quase esquecida no acto democrático, acaba por ficar um sentimento de irrelevância dessa mesma participação tal é a distância em relação ao mundo em que tentam entrar, algo que acaba no fim por se revelar nalguma desilusão dos mais novos e que é ilustrada num exemplo: depois de ter aprendido a escrever o nome em letra cursiva os mais velhos quando confrontados com o seu nome escrito a letra de impressa bloqueiam porque é algo que desconhecem. O conflito entre o progresso da educação e o distúrbio do isolamento é apenas resolvido na última sequência do filme quando no fim do dia todos se juntam no centro da aldeia e enquanto os que não votaram e os que votaram concordam sobre a pouca importância disso, celebram a comunidade que ali vivem através do esforço de alguém pouco interessado em votar que acompanhamos durante o dia inteiro à caça de um javali, que depois oferece esse fruto ao resto da aldeia, junta no seu isolamento e abandono e fica óbvio que o importante para eles é a partilha e convivência naquele círculo fechado independemente do que acontece a uma distância consíderavel - é uma distância já demasiada entranhada. É uma imagem que Mendoza chega no fim deste filme para expor a sua mensagem legítima mas sempre pouco fracturante, de uma forma quase reprimida no seu realismo social, longe do tom que iria explorar mais tarde.

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