maio 03, 2012

We need to talk about Kevin

We need to talk about Kevin, de Lynne Ramsay, GB/EUA 2011, 7/10


“I think that what remains in our memory is not construction but destruction. Making things is not what counts. The power that destroys them is.” - Seijun Suzuki

Lynne Ramsay utiliza estilos distintos para marcar a diferença entre o presente e o passado recordado, carregando tanto nos tons impressionistas com que pinta o passado, que acaba por contagiar a recriação do presente com essas memórias tortuosas. São várias as técnicas utilizadas para dotar as memórias de um tom surreal, para criar incerteza sobre a sua veracidade: desde a abertura, num longo slow-motion, com a Mãe (Tilda Swinton) de Kevin a ser afogada pelo vermelho de uma tonatina, ao primeiro beijo entre a Mãe e o futuro marido e pai de Kevin, desfocado entre tons nocturnos, que dissolve-se no primeiro encontro do casal, num quarto iluminado pelos neons vermelhos da rua, até ao parto filmado através de um reflexo que distorce tudo monstruosamente. Ramsay não se poupa a esforços nem no vermelho. Se a overdose sensorial pode ser desconcertante, o vermelho é inescapável, permeia tudo o que se encontra à sua volta, mancha o presente com arrependimentos. No fundo, mais do que o vermelho, é o passado que é incontornável, é inevitável que deturpe e suje a visão actual, sobretudo a visão presente do passado. E a representação do presente acaba por ser afectada pelos mesmos tons surreais, pelo mesmo vermelho que contagia, fragilizando a fronteira entre presente e passado, como se a personagem habitasse os dois mundos temporais ao mesmo tempo. Talvez por isso, Ramsay investe também em construir planos narrativos paralelos: o sentimento de culpa da Mãe em relação à tragédia que aconteceu vs o sentimento de falhanço na educação e responsabilização pela alienação de Kevin; as viagens para longe num inatingível mapa fantasia e sobre as quais escreve vs o emprego numa agência de viagens que a colocam ainda mais longe das tais viagens; o isolamento derivado da maternidade (especialmente em relação ao marido) vs o isolamento em relação ao resto da sociedade depois do evento catártico do filme.

 Esse tal evento final funciona para evidenciar como todo o filme é contado a partir do fim, numa narrativa quebrada que anuncia a tragédia a um ritmo letárgico. Através de um efeito retardatário, o vermelho vai-se espalhando como uma infecção - é a palavra usada por Lionel Shriver, a autora do livro que o filme adapta, para descrever a maternidade. A anestesia emocional e o estado de choque inesgotável que afectam constantemente a personagem da Mãe, constituem a distância e modo de defesa que lhe permitem atravessar os dois planos paralelos - a infância de Kevin e a vida depois da tragédia. É algo que Ramsay resgata do seu filme anterior, "Movern Callar", que era também a história indolente de uma rapariga a lidar com uma perda (o suicídio do namorado), onde Ramsay não era subtil na encenação, mas que em "We Need to Talk About Kevin" atinge proporções maiores na construção de um presente emocional catatónico. Tal como acontecia frequentemente nos filmes de Suzuki (Gate of Flesh, Story of a Prostitute), isso reflecte-se num filme emocionalmente instável, quase doloroso, onde a reacção à angústia é uma distopia sentimental. Suzuki recorria também ao uso abrasivo de cores para mapear estados de espírito - neste caso é o vermelho, que Suzuki associava a "erupções repentinas e o medo". A herança de Suzuki sente-se também no poder da destruição na construção de uma história, destruição encarnada na personagem de Kevin (interpretado por Ezra Miller, que depois do "vilão" em Afterschool volta a arrepiar). O mais problemático no filme pode mesmo assim ser a relutância em justificar o niilismo que evidencia ou responder às perguntas que coloca. Ou o filme não tem respostas definitivas, ou assume que não há resposta, que é tudo um vazio, e nesse caso fica evidente que a falta de respostas também magoa.