outubro 12, 2008

The Savages

The Savages (2007)
de Tamara Jenkins
7/10


The Savages é um drama com tons de comédia negra sobre mais uma família disfuncional americana no seu micro-cosmos com observações sarcásticas e diálogo semi-crítico sobre os comportamentos egocêntricos de 2 irmãos no seu desapontamento de meia-idade (os excelentes Laura Linney e Philip Seymour Hoffman) que têm de lidar talvez de uma forma inesperada com a questão da mortalidade e declínio inerente ao envelhecimento quando o seu pai se torna incapaz.

É um tipo de filme semelhante a Garden State ou Margot at the Wedding, baixo-orçamento e crítico simplesmente pela observação do quotidiano urbano americano (ou de personagens urbanas fora do seu ambiente) que se tem tornado um motivo recentemente utilizado pelo cinema americano mais alternativo, mas possui argumentos próprios para se tornar cativante sem se deixar envolver demasiado na forma que utiliza, isto é sem nunca se tornar demasiado inteligente para se deixar envolver emocionalmente - no entanto nunca sentimentaliza demasiado o drama, pois existe sempre um distanciamento intelectual por parte das personagens em relação ao que se passa.

Não depende tanto de setups visuais como o fato de treino de Ben Stiler em The Royal Tenenbaums ou a decrépita carrinha amarela em Little Miss Sunshine, mas também existem aqui: o ridiculo tratamento para o torcicolo de Hoffman, as casas dos subúrbios de Arizona; não são propriamente apenas gags visuais mas pequenos detalhes que acrescem dimensões às personagens dos dois irmãos, como o afecto da irmã à sua planta e gato (necessidade de sentir algum envolvimento emocional), a casa desarrumada por livros do irmão (habituado a viver desligado na sua confusão), etc.

Existe um humor definitivamente cáustico como evidente nas cenas iniciais que acontecem em Sun City Arizona, uma colonia de casas no meio do deserto rodeada por campos de golfe e palmeiras, dominada por reformados esforçados em manter boas aparências, num típico exemplar excesso americano, o cenário falso onde os dois irmão parecem aterrar vindos de outro mundo. Estas cenas iniciais marcam o ritmo para o resto do filme e estabelecem rapidamente a relação entre os dois irmãos – ele, aborrecido com o que se passa porque interrompe a sua vida profissional-afectiva tenta agir de uma forma mais prática, resignado com o que aconteceu e preocupado apenas em resolver rapidamente a situação sem ser muito perturbado por isso, que estabelece que tem uma visão mais pessissimista e menos romanceada da questão vida/morte, uma inevitabilidade que tem que ser tratada sem perder muito tempo com isso (“all this wellness propaganda and the landscaping, it's just there to obscure the miserable fact that people die! And death is gaseous and gruesome and it's filled with shit and piss and rotten stink!”); ela, como que acordada de um sono longo na sua apatia, atingida pelo que vê em primeira mão, abalada pela ideia de mortalidade que põe tudo em perspectiva, com alguma esperança em não abandonar o pai, em sentir algo ainda.

Ao longo do filme a relação entre os dois além deste contraste é pontuada por um ar intelectual, duas pessoas submersas em mundos literários, com pretensões analíticas profundas sobre a vida em geral, que na realidade mostram uma vida afectiva pouco saúdavel: ambos incapazes de manter uma relação saúdavel ou assumir compromissos, porventura um reflexo da influência que a sua infância miserável e abandono parental causaram e que perdura ainda até ao fim do filme. O papel da auto-medicação de painkillers e anti-depressivos no filme sublinha o desajustamento das personagens.


Formalmente o filme funciona com composições de pequenos quadros que focam as personagens nos seus ambientes e a forma como estes mostram algo das suas personalidades. Por exemplo, o irmão fechado no seu escritório a tentar escrever ou a tentar a esquecer o sentimento de voltar atràs a um tempo em que vivia com a irmã e tudo o que faria para se afastar ainda estava longe, enquanto a irmã recebe na rua uma visita da pessoa que talvez melhor conhece, um homem casado envolvido num caso adúltero, um circulo de relações falhadas/duvidosas.

Tamara Jenkins no KCRW’s “The Treatment” fala de como se inspirou em dramas do dia-a-dia com um toque de comédia realista, coisas absurdas que acontecem que quase pedem que se pense em humor para as suportar, típicas do cinema da europa de leste anos 70 (Milos Forman, Polanksi) – apesar de não estar muito familiarizado com essa cinematografia, recentemente podemos ver corrente semelhante por parte do cinema romeno: A Este de Bucareste, A Morte do sr. Lazarescu - drama decido a ser realista enquanto acompanha o desesperante sistema de saúde romeno, que resulta que a partir de situações caricatas e pouco razoáveis o espectador se refugie numa análise do ponto de vista do humor negro para poder compreender o drama, para identificar-se com o que acontece e como as personagens o aceitam.

Finalmente, apesar de toda a degradação senil que o pai sofre devido à sua condição, é a ele que pertence a melhor cena do filme: os dois irmãos discutem mais uma vez e ele, incomodado, desliga o som do aparelho auditivo, ficando sozinho, isolado.

Batman Begins (As politicas de)

Batman Begins (2005) de Christopher Nolan - 7/10

Batman Begins é um filme surpreendentemente liberal na acepção americana da palavra (ideologicamente de esquerda) nas suas políticas: não só Batman não é visto apenas como um vigilante que toma a justiça nas suas proprias mãos (uma ideia politicamente de direita, de substituição das instituições do Estado), já que a sua acção é justificada por um sistema completamente corrupto e tendencioso para a impunidade dos criminosos (e que o filme luta por expor), há toda uma necessidade em demonstrar as raízes socias da sua acção e a cooperação com os elementos certos da sociadade.

É evidente a necessidade do filme em demarcar-se da temática dos filmes anteriores – excentricidades artísticas carregadas de simbolismo e experimentalismo visual, centrados nas bizarras personagens sem grande desenvolvimento pessoal (style over story), resultado da influência de Tim Burton – focando o aspecto emocional e social da história.

Existe uma forte mensagem de condenação de vigilantes ou carrascos auto-nomeados evidente pelo forte confronto entre a posição de Bruce Wayne (pré-Batman) e a Liga das Trevas (encarnada na personagem de Liam Neeson), uma vez que estes últimos defendem uma acção segundo a sua justiça como resposta à decadência do sistema judicial-político, quase numa lógica terrorista de destruição - afinal é a diferença de soluções para o tratamento da situação actual de degradação de Gotham que leva ao confronto físico entre os dois e representa o arco principal do filme.


Por várias vezes os pais de Bruce Wayne são referenciados como tendo tido intervenções politicas no combate à pobreza através do papel da sua empresa para minorar a desigualdade, uma atitude quase proibitivamente socialista no cenário americano, sublinhado por uma compreensão em relação ao desespero da pobreza que pode levar à criminalidade, expresso quer pelo pai de Bruce quando é assaltado quer pela personagem de Katie Holmes, uma advogada honesta (representante do ideal de combater o sistema por dentro) confrontada com o poder corrupto que mesmo assim argumenta que é o sistema actual e o crime organizado que perpetuam/condenam certas pessoas à criminalidade numa espécie de ciclo viciado, que por fim leva Bruce a sobrepor a justiça dos fracos que não se podem defender em relação ao seu próprio sentimento de vingança, uma toda evolução ideológica desde o momento em vive apenas para a vingança sobre o criminoso que assassinou os seus pais até ao exílio que o leva a viver como criminoso e a roubar para não passar fome. Isto resulta na confrontação quer com o sistema existente quer com o grupo de vigilantes que condena todos por igual (que afirma o desprezo pelos inocentes, pois são todos culpados).

Toda esta moralização das acções do filme é acompanhada por uma forte componente anti-apatia (o repetido “You are what you do, not what you are inside” – as tuas acções são o que te define), evidente também na sua condenação da classe alta de Gotham pela sua apatia e indiferença para com a situação actual, sendo o combate a essa indiferença parte fulcral das suas motivações.

É pois uma versão renovada do extravagante solitário, e se é certo que mesmo assim é uma visão simplista ou demasiado generalizada das lutas de uma sociedade, condiz com as origens de banda-desenhada de Batman. O título “Batman Begins” pode desta forma aplicar-se não só às origens de Batman, mas também a um novo rumo na franchise.