março 31, 2009

Top10 Cahiers du Cinema (2008)

Top10 para 2008 escolhido pela revista Cahiers du Cinema

Filmes:
10. De La Guerre - Bertrand Bonello
9. A Short Film About the Indio Nacional - Raya Martin
8. Hunger - Steeve McQueen
7. Dernier maquis - Rabah Ameur-Zaïmeche
6. Vals Im Bashir - Ari Folman
5. Two Lovers - James Gray
4. No Country for Old Men - Joel & Ethan Coen
3. Cloverfield - Mat Reeves
2. Juventude Em Marcha - Pedro Costa
1. Redacted - Brian De Palma

Realizadores:
10. Entre les Murs - Laurent Cantet
9. La Vie moderne - Raymond Depardon
8. Hunger - Steeve McQueen
7. Vicky Cristina Barcelona - Woody Allen
6. Two Lovers - James Gray
5. There Will Be Blood - Paul Thomas Anderson
4. Un Conte de Noël - Arnaud Desplechin
3. Vals Im Bashir - Ari Folman
2. No Country for Old Men - Joel & Ethan Coen
1. Le Silence de Lorna - Luc & Jean-Pierre Dardenne

Top10 de Cinema2000 (2008)

Top10 para 2008 do site português Cinema2000.pt, votado pelos seus leitores:

10. Antes que o Diabo Saiba que Morreste - Sidney Lumet
9. Expiação - Joe Wright
8. A Turma - Laurent Cantet
7. Sweeney Todd - Tim Burton
6. Juno - Jason Reitman
5. Wall-E - Andrew Stanton
4. The Dark Knight - Christopher Nolan
3. Into the Wild - Sean Penn
2. No Country for Old Men - Ethan e Joel Coen
1. There Will Be Blood - Paul Thomas Anderson

março 23, 2009

Four Nights with Anna

Cztery noce z Anna - Quatro Noites com Anna – 8/10
2008, de Jerzy Skolimowski

Quatro Noites com Anna, o primeiro filme polaco de Jerzy Skolimowski em 27 anos assemelha-se a uma ode à solidão. Acompanha o personagem principal, que raramente fala durante os 87 minutos, na sua história num momento sem esperança: é testemunha de uma violação (de Anna), é condenado por ser o único suspeito, e depois quando sai da prisão (onde é violado) viola a privacidade de Anna ao introduzir-se durante 4 noites no seu quarto após esta adormecer, numa lógica de um sentimento de protecção disfarçado de um bizarro amor (ou culpa?), desenvolvendo uma afeição por esta mulher que mal conhece mas que mudou a sua vida. Ao mesmo tempo que vive para a poder espiar a sua vida vai-se desmorando sem que ele se pareça aperceber disso: a sua avó morre, perde o emprego e volta a ser procurado pela polícia. A informação é apresentada de forma enigmática, acompanhado por uma narrativa fragmentada e não linear, drama que apenas vai fazendo sentido pouco a pouco.


O filme é estruturado com várias cenas-momentos que duram cerca de 2 a 3 minutos cada, sempre num ritmo constante como se tratasse de um filme conceptual, ritmo quebrado apenas durante uma cena central para o desenvolvimento emocional da personagem principal e da sua obsessão solitária com Anna (a festa de aniversário dela), uma quebra simbólica da estrutura do filme de forma a mostrar o relevo desse momento para a história do fime.

O ambiente é sombrio, repleto de cenas dominados pela escuridão, principalmente nas noites que ele passa no quarto dela, onde presenciamos as suas demonstrações de afecto como observa-la a dormir, pintar-lhe as unhas dos pés ou deitar a cabeça na sua almofada, reflexo da isolação e do mundo de solidão em que ele se submerge – uma solidão partilhada por Anna de certa forma.

A camâra encontra-se parada na maior parte do tempo ou então centrada no nosso personagem principal e no seu comportamento obsessivo, utilizando alguns truques para quebrar a monotonia como filmar através de binóculos, através da janela ou utilizando uma camâra de segurança no tecto da esquadra, mas passa a maior parte do tempo a mostrar o distanciamento, olhando de fora para dentro, enquadramentos planeados, repletos de beleza trágica.

Les Amours d'Astrée et de Céladon

Les Amours d'Astrée et de Céladon - 6/10
2007, de Eric Rohmer

Eric Rohmer continua a explorar diferentes ideias enquanto que aplicando certos temas-conceitos muito próprios na sua cinematografia. Depois de A Inglesa e o Duque (8/10) e O Agente Triplo (7/10), volta a inovar na escolha das personagens e cenário.

Quatro ideias chave:

- o argumento: recheado de diálogo inteligente que não é apenas de exposição (o que precisámos saber, os pontos fulcrais do filme) mas também de carácter exploratório, em que as personagens permitem-se divagar sobre os seus sentimentos sem a urgência dos diálogos típicos dos filmes de Hollywood, que permite dar a conhecer a personalidade das personagens ao abordar temas que não são exclusivos ao drama do filme, amostras de dialógos simples e reais (vs os diálogos em Doubt: artificiais, teatrais, de modo a conduzir a acção a determinado lugar e expor directamente as personagens: falo assim porque sou frágil ou sou rude porque sou sério)

- o argumento: baseia-se em mais uma reinvenção da estrutura clássica de romance boy meets girl – boy loses girl – boy gets back with girl, que Rohmer explora quase obsessivamente nos seus filmes (os 4 contos: Primavera, Inverno, Verão, Outono), aqui utilizando ideias diferentes para explorar esse tema, como o debate entre monogamia/poligamia e a subjugação ao destino

- o cenário (localização no tempo e espaço) – o filme desenrola-se num cenário exótico, no tempo dos druidas, ninfas e bardos, com destaque para a celebração das antiguidades da época grego-romana e discussões sobre monoteísmo vs politeísmo, que confere ao filme um tom de fábula invulgar, dominado por paisagens de bosques e castelos

- o cenário (visual) – tal como em A Inglesa e o Duque, há uma experimentação dos cenários que constituem o contexto para os diálogos numa tentativa de apresentar de uma forma diferente algo que raramente é questionado, com experimentação também ao nível do formato, ao filmar em 16mm (uma excentricidade no tempo do digital), que confere um aspecto 4:3 televisivo ao filme; vários vezes vemos planos detalhados e pausados de pinturas que ajudam a compor o ambiente do filme

março 06, 2009

março 04, 2009

Changeling

Changeling - 8/10

de Clint Eastwood

A Troca, filme com tons de thriller criminal sobre uma mãe cujo filho desaparecido é descoberto e restituído pela polícia à mãe que não acredita que esse seja o seu filho verdadeiro e a forma como a polícia tenta intimidar a personagem de Angelina Jolie a resignar-se ao seu destino, é um filme centrado numa luta solitária de uma personagem cheia de dúvidas e inseguranças próprias, temas centrais no trabalho de Eastwood . Neste caso temos uma mãe solteira numa sociedade dominada por homens e valores famíliares clássicos, um isolamento impotente da personagem principal que Eastwood evidencia ao mostrar as particularidades independentes da personagem de Jolie e o ambiente moralista que se vive em pleno anos 30 numa américa em crise.

O filme utiliza um estilo clássico, contido, contemplativo para focar a atenção na história, sem distrair com a presença de técnicas vistosas ou artifícios (sem grandes movimentos de camâra, com planos planeados e movimentos subtis estudados) e desta forma não quebrar a normal e subconsciente apropriação de um filme típico de hollywood e os seus mecanismos a que reagimos favoravelmente porque lhes estamos familarizados – este distanciamento permite dar relevo ao drama/temas e centrar a personagem de Jolie quer visualmente no centro do ecrã (reflexo do seu isolamento) quer narrativamente ao torna-la o fio condutor através do qual reagimos à acção – uma procura de empatia com o seu estado alienado de mente, uma definição clara do papel da heroína solitária que combate o sistema por parte de Eastwood.

Esta focalização permite evidenciar os temas do filme, entre os quais a dualidade das personagens envolvidas: entre as que a ajudam mesmo sem obrigação ou colocando-se elas próprias em situações difíceis (o reverendo, o advogado, o detective único polícia bom) versus os que não tem coragem para nada fazer e que pela sua omissão de acções permitem o continuar da situação (a enfermeira, o psiquiatra) ou até que agem deliberademente contra Jolie numa lógica egoista e de abuso do sistema: é notavél o contraste entre o o comportamento uni-dimensional do bad cop no capitão de polícia de Jeffrey Donovan, preocupado em salvar a sua imagem e o comportamento do único polícia decente, que decide agir mesmo a contra ordem e correndo o perigo de estar errado. Outro dos temas evidenciados é através da análise do papel da psiquiatria para corrigir desvios comportamentais à norma (também explorado em Revolutionary Road) e a percepção de como o comportamento fora da normal (não) era aceite.

O único desvio estilistico é o tom anormal da fotografia utilizado para recriar 1930, uma evocação de um imaginário preto/branco natural da época retratada (com que aliás começa o filme) com predominância de tons neutros - verdes e azuis escurecidos, ruas cinzentas, roupas pretas e brancas (uniformes e fatos), cinza dos cigarros e do seu fumo - quebrado apenas pelo vermelho dos lábios de Jolie ou de sangue.A escolha de Jolie para retratar fragiliade e independência ao mesmo tempo é interessante, especialmente tendo em conta a quebra dessa fragilidade que é mostrada numa das cenas finais, na confrontação com o possível assassino do seu filho.
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Pergunta: Não mexe muito com a câmara nos seus filmes.
Eastwood: Sim, mas você não o vê. Há movimentos muito subtis. Mas é verdade que mexo pouco a camâra. Não tenho medo de, às vezes, parar, em vez de andar à volta das coisas como nas publicidades, onde rodopiam como piões à volta dos produtos que é preciso vender. Eles são obrigados a fazer um grande espalhafato. Enquanto que eu coloco a camâra de forma a permitir ao espectador contemplar as coisas. E o plano dura até que qualquer coisa entre nele. Uma mão, por exemplo… ou então o plano eleva-se sobre alguém. Tento sempre fazer movimentos o mais discretos possível. Muitos outros, pelo contrário, preferem exagerar.

P: Mesmo se os seus filmes não o mostrem claramente, voce é um apaixonado pela técnica. Já se interessava quando era actor?
Eastwood: Quanto mais filmes se faz mais podemos ser subtis. Por outras palavras, não é preciso estar sempre a fazer planos extraordinários. Os planos mais extraordinários de John Ford foram feitos em momentos em que ele não fazia nada de particular.

P: Viu the Straight Story?
Eastwood: Vi. E gostei muito. E isso leva-nos àquilo de que falávamos. Esse filme está cheio de uma certa simplicidade. O realizador não cede a intervir de muito perto. Permite ao actor, esse velho actor, e a todos os outros, agir ao seu ritmo. Gosta-se daquelas personagens porque ficamos a conhecê-las, à medida que aparecem. Nada nos vem distrair da atenção que lhes é dada.

in “Clint Eastwood, Um Homem com Passado” - Cinemateca Portuguesa

Doubt

Doubt - 6/10
de John Patrick Shanley (adaptado da sua peça de teatro)
com Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams

Confesso que tinha as minhas dúvidas em relação a Doubt: um tema desconfortável (a hipótese de um padre abusar de um rapaz acólito), uma promessa de um tom moralista e passível de sermões próprios do submundo católico onde se desenrola a acção, aliado a uma indeterminação intencional que procuraria deixar-nos no escuro sobre o que de verdade acontece, determinado em espalhar a dúvida mas sem uma resolução – mas o filme acaba por se centrar antes nas vidas de duas freiras, o seu dia-a-dia (uma rotina eficazmente retratada) numa escola privada católica e a sua relação com o padre da paróquia (que obviamente, tem que ter uma posição hierárquica superior para complicar as coisas) e no final a dúvida do título não é apenas referência a um final aberto mas também/antes ligado aos príncipios morais de cada personagem, as suas acções e motivações perante o que pensam ver e principalmente o que acreditam ser a sua fé.


Estilisticamente o filme é bastante conservador, não apresentando desvios em relação a um filme de estúdio Hollywood, apesar da tentativa de utilizar algumas vezes um dutch angle (*) para atingir maior dramatismo. A origem teatral do material é evidente, mas não de uma forma suficiente para que distraía do conteúdo total do filme ou prejudicial para o ritmo a que evoluem as cenas. É especialmente patente na forma como existem 3/4 cenas muito fortes e centrais que definem a história, diálogos-debates de cerca de 10 minutos entre personagens em que as palavras representam tudo e tornam irrelevantes qualquer cenário ou formalismo - o primeiro confronto entre as freiras e o padre, o confronto de Meryl Streep com a mãe do rapaz, a conversa entre Seymour Hoffman e Amy Adams no pátio, o confronto final entre Streep e Hoffman (dois monstros actuais da representação), completado por pequenos momentos-cenas que revelam o quotidiano mas que funcionam também para estabelecer traços de cada personagem, como a fragilidade da freira de Amy Adams na sala de aula (mais uma excelente performance desta actriz, depois de Junebug), a autoridade de Streep na relação com os alunos e durante os jantares com as outras freiras, a jovialidade do padre com os outros padres nos seus jantares e na sua relação com os alunos e é claro os 2 sermões – a centralidade moral do filme (dúvida e intolerância) - vinhetas que ajudam a compor o filme.

Existe um paradigma sobre a fé no filme que é abordado de modo inteligente através de ambiguidades no discurso religioso – fé, quer religiosa (a última frase de Streep no filme), quer das acções das personagens - Streep confronta o padre, dizendo-lhe que apesar de não ter provas concretas acredita cegamente e sem quaisquer dúvidas que ele é culpado de ter feito algo, algo que deixa o padre baralhado, quase perplexo perante tal lógica. Mas não é uma das virtudes e/ou principios da fé o acreditar cegamente em algo, sem provas e ilogicamente, sendo isso uma prova da fé de cada um, crença que é central na vida do padre de Hoffman? (**)
Diz a personagem de Streep que "In the pursuit of wrongdoing, one steps away from God. Of course, there is a price." Ao procurar condenar o padre e proteger as suas alegadas vítimas, a freira estará a agir de modo menos correcto (stepping away from God) uma vez que está a agir sem provas definitivas, baseada numa intuição – e o preço por agir assim é a dúvida na sua crença, uma vez que o seu Deus não aprovaria essa conduta, mas não estará por outro lado mais perto de Deus ao agir cegamente?

(*) The Death of the Dutch Angle
(**) Richard Dawkins in The God Delusion:
"List of religious memes (...)
- Belief in God is a supreme virtue. If you find your belief wavering, work hard at restoring it, and beg God to help your unbelief
- Faith (belief without evidence) is a virtue. The more your beliefs defy the evidence, the more virtuous you are"