julho 27, 2010

Documentário [2000-2009] (parte dois)

depois da primeira parte (20º a 11º), esta é a segunda parte da escolha dos melhores documentários da década, agora do 10º ao 1º:


10. The End of Suburbia (2004) de Gregory Greene – EUA - trailer
À medida que o filme expõe a teoria Oil Peak através de depoimentos de autores que explicam os seus fundamentos, o quadro que é pintado é negro e viscoso como o próprio tema do filme: a produção americana de petróleo atingiu o máximo em 1971, o pico da produção mundial acontecerá à volta de 2010, a descoberta de novas reservas tem diminuido nos últimos 30 anos (e as existentes estão largamente sobreavaliadas), o consumo mundial continua a aumentar de ano para ano, a dependência do petróleo na agricultura, indústria transformadora e sector energético é insustentável a médio prazo, e quando os efeitos da dimuição da disponibilidade do petróleo começaram a ser sentidos na população funcionarão como descalabro exponencial. O documentário com o subtítulo “Oil Depletion and the Collapse of the American Dream” procura abordar o paradigma de uma sociedade viciada em petróleo sob um vasto contexto político e social, não só expondo factos que sustentem as suas conclusões mas analisando as consequências e questionando como irá a sociedade reagir ao colapso de um modo de vida e que mudanças estará preparada para aceitar. É uma questão expandida também em “A Crude Awakening: The Oil Crash” (2006), que se prende demasiado a pormenores técnicos sem explorar uma perspectiva generalista, e também em "Collapse" (2009), que merece um visionamento.


9. Zidane (2006) - Douglas Gordon & Philippe Parreno - França - trailer
É difícil enquadrar Zidane neste painel de documentários relativamente convencionais de exposição informativa, já que o filme se assemelha mais a uma instalação artística do que a algo que se aprecie numa sala de cinema – afinal a dupla inglesa é mais conhecida pelas suas intervenções em salas de museus de arte moderna. Durante noventa minutos em tempo real seguimos Zidane em mais uma provação no relvado, sem diálogos ou qualquer exposição excepto breves excertos do relato radiofónico do jogo, mas sempre com uma assombrosa banda-sonora da banda Mogwai que contribui para criar uma obra orgânica de caracter onírico, desfasado da realidade. É um olhar obsessivo sobre o jogador que revela através de pequenos gestos como lida com a batalha que vive no momento, numa criação de um moderno retrato, não fosse o subtítulo “un portrait du 21e siècle”, que revela a experiência solitária e o abandono no meio de 22 jogadores e debaixo do olhar de milhares. A dinâmica do próprio jogo acaba por proporcionar algum drama ao filme, e no fim Zidane desaparece, descendo às trevas, depois da desconstrução do mito, humanizado.



8. Occupation 101 (2006) - Abdallah Omeish & Sufyan Omeish – EUA - trailer
"Any violence by a large population is not because the people are more violent than any other. It's an alarm, it's a signal that something is wrong in the treatment of this population." Assim começa o filme sobre o conflicto israelo-palestino, procurando apresentar imagens e depoimentos que raramente chegam a público. Um estudo aprofundado sobre os acontecimentos na região durante o século XX que relata a expansão sionista com base no poderio militar, desde as guerras que serviram para estabelecer a soberania israelita com a ajuda britânica e americana, passando pelas deslocações massivas da população palestina até à criação do que são efectivamente dois campos de refugiados onde a população local é mantida sob controlo. Aborda também a origem da intifada e o processo de Oslo sem esquecer as verdadeiras consequências das políticas israelitas, especialmente na utilização dos colonatos como manobra de expansão contínua. É também um olhar incisivo sobre as condições de vida nos territórios ocupados e as agressões recorrentes de que são vítimas os seus residentes, sublinhado não só por declarações de habitantes locais mas também de pessoas ligadas a organizações humanitárias dedicadas a expor a situação mas frustrados com a falta de progresso e a falta de atenção internacional sobre o assunto. São comuns os relatos emocionados e as imagens violentíssimas incapazes de deixarem a maioria indiferente, especialmente um monólogo de uma criança palestina que captura o centro sentimental do filme.



7. Taxi to the Dark Side (2007) - Alex Gibney - EUA - trailer
O título do documentário tem origem em dois acontecimentos distintos que o filme procura interligar: a expressão “dark side” utilizada por Dick Cheney para justitificar a tortura efectuada pelo exército americano e um taxista afegão erradamente capturado como combatente terrorista, que acabou morto depois de seis dias de tortura, uma infeliz vítima colateral do tal
“dark side”
. A partir deste exemplo somos levados numa viagem às prisões americanas como Guantanamo ou Abu Ghraib onde antigos soldados-interrogadores descrevem as
bárbares
práticas comuns nesses locais, reflexo da degradação moral americana. Se não há uma decomposição analítica como em Standard Operation Procedure (2008) dos acontecimentos entretanto conhecidos, há uma procura de respostas que se extende para além dos soldados rasos no terreno ao incluir depoimentos de Cheney, Woo e Gonzalez que tentam desculpar o indefensàvel e acima de tudo há uma contextualização do clima político por detrás da adopção da tortura, reflectindo sobre a perda de identidade e autoridade moral americana resultante do abandono de princípios humanistas, colocando-os definitivamente ao lado dos terroristas que combatem.



6. Darwin's Nightmare (2004) - Hubert Sauper - Austria/França - trailer
Isto é o que ninguém quer ver. Uma viagem aos confins da África negra, onde a miséria e a pobreza atingem níveis tais que é impossível desviar o olhar e esquecer as imagens desoladoras de uma realidade tão distante e no entanto tão perto. Até que ponto perto é o que o filme pocura explicar na extensão do seu âmbito geral: regularmente aviões russos voam para a Tanzânia para entregar armas e levantar carregamentos de um peixe (a perca), que foi introduzido no lago Vitória pela facilidade com que se reproduz e que está a canibalizar a fauna local num ciclo com um fim definido a curto prazo, destruindo a única fonte de sobrevivência de uma população dizimida por guerras constantes, população que vive as consequências das necessidades alimentares do resto do mundo, ao mesmo tempo que é obrigada a mendigar nos restos dos peixes que não estão em condições de serem enviados para a Europa.
É a subjugação a interesses capitalistas de europeus que não tem consciência dos caminhos que levam ao aparecimento da perca à sua mesa que aqui o filme procura demonstrar. Além de todas as impressionantes imagens é ainda impossível assistir impávido a este pesadelo quando por exemplo alguém justifica a não utilização do preservativo com as políticas do Vaticano ou um guarda nocturno arrisca diariamente a sua vida para conseguir alimentar a sua família, ao mesmo tempo que o produto exportado para europeus prende a população da Tanzânia condenada a um ciclo inescapável e destino lúgubre.



5. Grizzly Man (2005) - Werner Herzog – EUA - trailer
Existiu um homem que queria fugir do mundo, e Herzog foi atrás do seu rasto. Da mesma forma que o Grizzly Man procura um regresso às origens, uma liberdade através duma ligação primitiva à natureza, Herzog procura encontrar algo neste homem que se desligava da sociedade mas filmava obsessivamente o que fazia, alguém paradoxalmente incapaz de seguir as rígidas normas sociais, mas que queria tanto comunicar ao resto do mundo os seus sentimentos-pensamentos. É um retrato emocionante e perturbador construído por Herzog, particularmente afectivo pela forma como Herzog analisa racionalmente as imagens capturadas por Timothy Treadwell e, colocando-se ao lado do espectador, tenta compreender os fundamentos das suas acções e do seu isolamento, mas nem sempre o consegue. Herzog questiona a possibilidade da relação entre o homem e animais selvagens, e a artificialidade de tudo isso vem à tona, exacerbado pela necessidade de atenção que parece motivar Treadwell. Na morte anunciada de Treadwell Herzog encontra
alguém iludido na sua relação com a natureza, alguém que acreditava que a natureza precisava de si, que estes animais precisavam de si, mas a indiferença da natureza é demasiado pesada, e se Treadwell procura uma rendição à natureza, Herzog parece contrapor: será que a natureza precisa do homem?



4. When The Levees Broke (2006) - Spike Lee – EUA
O furacão Katrina foi um dos eventos definidores da década passada pela cobertura de inúmeras horas televisivas em directo a que foi sujeito e que melhor que o olhar crítico Spike Lee para revisitar e escrutinar os acontecimentos que abalaram a comunidade largamente negra de New Orleans. Neste documentário de quatro horas Lee é tenacioso na exaustão com que aborda o assunto e procura respostas para justificar o acontecido, sem deixar nada por questionar. É assustadora a normalidade com que ficamos estupefactos com o sucedido e com a sucessão de eventos e rapidamente constatamos que o abandono da população local encontra razões na sua condição de seres periféricos, e antes de incompetência na forma como nada foi feito para impedir o que aconteceu, e pouco foi feito durante ou depois, encontramos desumanidade. É por isso que este filme é notável, pela forma extraordinária como Lee procura a voz dos silenciados, dos que parecem não importar. Lee agarra-se aos depoimentos das pessoas que viveram a tragédia de New Orleans e cria empatia honesta e a longa duração do filme parece querer transmitir a relutância em abandonar de novo estas pessoas, porque se é verdade que com este documentário a sua história é contada, assim que termina o documentário voltam a ser esquecidas, voltam a ter que sobreviver em condições miseráveis mesmo todo este tempo depois, desaparecem de novo, a realidade da sua efemeridade gravada na eternidade.



3. Ne Change Rien (2009) - Pedro Costa - Portugal/França - trailer
Neste filme-sonho de Pedro Costa, que é também uma declaração de amor a Jeanne Balibar, apenas há a música, não existe mais nada. Nesta imersão sensorial dedicada à contemplação, cada composição é como que uma prenda para o espectador, sublimes momentos de perder qualquer ligação à realidade. A presença fantasmagórica e romantizada de Balibar arrasta-nos para um local de admiração através de uma cadência cénica que nos embala. Costa esquece tudo o resto e regressa ao preto e branco, num magnífico trabalho de tratamento do som e imagem, através de jogos de repetições rítmicas e planos estáticos recorrentes até se fixarem no nosso subconsciente.
Filmado num estúdio durante os ensaios para a gravação de um álbum e preparação para espectáculos ao vivo, é um elogio desarmante ao processo de criação artística.
Se apenas tudo se pudesse prolongar assim como durante esta hora e meia, que nada mude.


2. The Corporation (2003) - Mark Achbar & Jennifer Abbott & Joel Bakan – EUA - trailer
The Corporation é uma investigação em duas partes ao organismo mais perigoso e predatório do século XX: as corporações multinacionais. Fundamentado em depoimentos de críticos como Noam Chomsky, Howard Zinn, Naomi Klein, e insiders como antigos CEO destas empresas ou Milton Friedman, somos confrontados com a evolução destes organismos que ganham direitos equivalentes a uma pessoa mas que sem obrigações morais, na procura de aumentar os ganhos a curto prazo se comportam como parasitas na forma como colocam em causa a própria sustentabilidade da própria sociedade que os alimenta. Utilizando o mecanismo das corporações se equivalerem a pessoas em termos jurídicos, os realizadores deste documentário aproveitam para fazer um retrato psicológico deste organismo e o perfil obtido não é animador, pelo contrário - a lista de comportamentos desequilibrados acumula-se, entre a afinidade em explorar recursos naturais (chegando à privatização da água) ou mão de obra infantil (as fábricas na Ásia apropriadamente referidas como sweatshops) - e o diagnóstico mental chega a psicótico, mas acima de tudo perigoso para a evolução humana.
O seu único modo de defesa é a manipulação da opinião pública através da difusão da ignorância e do adormecimento das massas, algo que este filme se propõe a combater – e numa altura em que as corporações ganharam o direito a apoiar candidatos políticos (enquanto as pretensões de se candidatarem a cargos políticos vão sendo negadas, por agora) é portanto também um pedaço de contra-guerrilha informativa: é definitivamente o documento informativo mais importante da década e um dos mais importantes de sempre - a sua inclusão nos programas escolares deveria ser mandatória.



1. Encounters at the End of the World (2007) - Werner Herzog – EUA
Para uma década que pode ficar marcada pela percepção pela humanidade das consequências de anos de comportamentos irresponsáveis, marcados por guerras sem sentido, degradação dos direitos civis, catásfrofes ambientais ou exploração de recursos naturais finitos, não deixa de ser significativo que a Antárctida de Herzog funcione ao mesmo tempo como alegoria para um último reduto intacto e agora um refúgio com o futuro ameaçado pela acção humana.
As paisagens incríveis que Herzog utiliza magistralmente para incutir um sentimento de respeito e inferioridade perante o poder da natureza, que poderiam significar uma réstia de esperança no planeta e na humanidade, representar uma janela para a recuperação (através dos organismos que conseguem sobreviver em condições extremas), um exemplo inspirador do que merece ser salvo,
para Herzog representam também algo que nunca mais será recuperado e necessita de ser documentado enquanto ainda é possível.
Herzog demonstra um fascínio admirável pelas pessoas que literalmente fogem para este continente estranho, cientistas que aqui podem desenvolver o seu trabalho longe de polémicas e campanhas de desinformação patrocinadas por multinacionais, ou simplesmente pessoas que preferem escapar da sociedade, viver no fim do mundo, o mais longe possível.
O tom derrotista e introspectivo de Herzog que domina o filme é maravilhosamente inquietante à medida que várias vezes pondera sobre a vida no planeta depois de os humanos desaparecerem, um momento que não contesta assumindo desde o inicio pouca esperança de uma mudança positiva no rumo humano.

Se em "An Inconvenient Truth" ficamos expostos a um caminho sem retorno se sem acção rápida, se em "When the Levees Broke" vemos a falta de compaixão para os deixados à sua sorte, se em "Darwin’s Nightmare" ou "Les Glaneurs et la Glaneuse" vemos a incapacidade de agir em conjunto para acabar com um sofrimento incontestado,

se em "Taxi to the Dark Side" ou "Fahrenheit 9/11" vemos a corrupção moral da política sob interesses pessoais,

se em "Jesus Camp" ou "Occupation 101" vemos os efeitos da divisão religiosa, se em "The End of Suburbia" ou "Food Inc." vemos o fim de um modelo sem substituto próximo,

se vemos os recorrentes cíclos económicos repressivos em "Enron: The Smartest Guys in the Room" ou "The Corporation" sem que isso funcione como aviso,

se em "The Corporation" vemos como os principais organismos mundiais não têm interesse em agir sozinhos sem pressão pública,

"Encounters at the End of the World" é o filme que junta isto tudo numa desoladora fuga para o último abrigo que está ele próprio a apagar-se, é a soma e o resumo da perda civilizacional que se prolonga nesta década, mas que também ganhou consciência do que está a acontecer, sem que isso pareça importunar muitas pessoas. Herzog parece deixar-nos com uma pergunta como conclusão: o que fizemos nós?

julho 14, 2010

Documentário [2000-2009] (parte um)

Numa época marcada pela democratização da informação e pela difusão da acessibilidade de meios visuais nunca o documentário foi um género tão popular e nunca apareceram tantos filmes a estrear como na última década, originando uma abundância de diferentes títulos e temas ao mesmo tempo que um certo cinema de intervenção ganhava mais espaço, aproveitando a popularidade recente do documentário para levar às massas mensagens de temas sensíveis que anteriormente não teriam tamanha divulgação. Seria portanto injusto não fazer uma referência a filmes que se aproveitaram das novas potencialidades tecnológicas para produzir documentários de baixo orçamento, mesmo trabalhando fora do sistema, sem que isso significasse perda de clareza. "Loose Change" ou "Zeitgeist" são exemplos disso, e mesmo que perdidos nas próprias premissas marcaram uma janela para o futuro na evolução do género, tal como o americano Robert Greenwald que atráves da produção de documentarios em série (Outfoxed, Unprecedented, Iraq For Sale) de menor duração e produção barata sobre assuntos políticos constituem uma espécie de guerrilha contra-informativa às visões da cultura dominante. Aqui fica a primeira parte de uma selecção muito subjectiva dos melhores títulos da década:


20. Enron: The Smartest Guys in the Room (2005) - Alex Gibney – EUA
É a história da primeira crise económica da década e francamente premonitória em relação ao que acontece quando se confia a supervisão de empresas multinacionais como a Enron entregues a si próprias: a corrupção moral e ganância reflexo do sistema desregulatório capitalista acabam por canibalizar tudo à sua volta, e como que assistindo ao desmoronar de um castelo de cartas, é uma exposição da irresponsabilidade corporativista com consequências directas sobre a população, e é acima de tudo uma lição recente de um embuste já esquecido.


19. Les glaneurs et la glaneuse (2000) – Agnès Varda - França
É preciso alguém que sobrevive na exploração das margens do cinema como Varda para ir à procura destas pessoas que habitam um lugar subterrâneo na sociedade, sobrevivendo através dos restos não aproveitados de outros para quem são invisíveis. Um retrato emocionalmente devastador mas ao mesmo tempo enternecedor pela forma como Varda coloca estas pessoas no centro do filme, é também a história pessoal de como Varda se interessa pelo que o resto da sociedade tenta esquecer.




18. Jesus Camp (2006) - Heidi Ewing & Rachel Grady – EUA
É provavelmente um dos mais aterrorizadores filmes da última década e o pior é que é tudo real. O filme mostra-nos Jesus Camp, um campo de férias para crianças idealizado por evangelistas americanos onde as crianças são expostas aos perigos do aborto ou de ser demasiado tolerante ou pouco activo na defesa da sua igreja e a necessidade de introduzir pessoas no governo para influenciar políticas. É na verdade um campo de doutrinação, em que estas crianças são sujeitas a uma lavagem ao cérebro por pessoas que em entrevistas no filme não tem pejo em afirmar que se revêem como equivalentes a extremistas muçulmanos que ensinam os filhos a sacrificar a vida como soldados de deus, mas com a mensagem “certa”. As imagens de crianças a lamentarem-se por supostos pecados que cometeram são suficientes para deixar qualquer um com violentos calafrios.


17. Food Inc. (2008) - Robert Kenner - EUA - crítica
É um relato incriminador da indústria alimentar americana e da forma como esta tem sucessivamente e progressivamente deteriorado as condições de produção e qualidade dos produtos alimentares numa lógica de ganância-lucro máximo que beneficia também da desinformação do público: ora é exactamente contrariar esse estado e contribuir para uma exposição das práticas generalizadas na indústria que o filme propõe. Durante o documentário somos expostos a uma evolução cronológica dos métodos das corporações que dominam o mercado como fornecedores das grandes cadeias de fast-food e supermercados e das consequentes necessidades em aumentar a oferta para baixar os custos de produção: os animais deixaram de crescer ao ar livre para serem enclausurados em jaulas para colheita em série e são injectados com hormonas de crescimento artificial para reduzir o tempo que demoram a desenvolver-se, com claro declínio em termos de qualidade de vida dos animais. É uma importante chamada de atenção para algo que embora não seja novidade, apresenta uma evolução desoladora nos últimos anos à medida que a conjectura económica afecta as escolhas alimentares.


16. De fem benspænd (The Five Obstructions) (2003) - Jørgen Leth – Dinamarca
Nesta colaboração entre Lars von Trier e Jorgen Leth cabe todo o papel do cinema como catarse emocional e a criação artística como veículo de introspecção pessoal. Von Trier orquestra um plano para obrigar Leth a filmar cinco diferentes versões da mesma história, e além de confirmar o papel necessário dos limites na criação artística como motivo para procurar novas respostas, sujeita igualmente Leth a auto-examinar-se na forma como reage perante estas obstrucções, resultando num dos mais importantes tratados sobre a (de)construção do cinema.


15. Fahrenheit 9/11 (2004) - Michael Moore - EUA
Michael Moore teve uma década em cheio que o catapultou para o centro do movimento do cinema documental contemporâneo, como figura central de um conjunto de filmes que atingiu enorme popularidade e com Bowling for Columbine (2002), Fahrenheit 9/11 (2004), e Sicko (2007) atingiu a sua trilogia fundamental. Mas o filme mais importante será este fervoroso Fahrenheit, como obra de contra-poder e exposição do aproveitamento político do 11 de Setembro pela administração Bush para atacar liberdades cívicas e impingir uma guerra ao resto do mundo sob falsos pretextos, sem esquecer a eleição roubada de 2000. E se Moore é realmente exígio em criar pequenos momentos acusatórios que contaminam o imaginário popular como o confronto com Heston ou as gravações inéditas de Columbine, neste filme consegue descobrir uma das imagens icónicas desta década que quem tenha visto o documentário dificilmente se esquecerá: Bush algures numa escola na Florida, a receber as notícias do segundo ataque ao WTC e ficar sete infindáveis minutos sem reagir, sem saber o que fazer.


14. An Inconvenient Truth (2006) - Davis Guggenheim – EUA
Se visualmente é pouco apelativo por afinal não passar de uma simples conferência ou sequência de gráficos, este documentário é indubitalvente um dos mais importantes documentos da última década por toda a informação essencial que compendia e que compensa completamente o lado visual. É toda uma revelação assustadora e um alerta para uma contagem decrescente, um apelo à acção que definiu um ponto sem retorno no movimento ecológico e um assunto que deveria ser prioritário para todos, que aqui é fundamentado neste instrumento educativo de inestimável valor. Se o culto à figura de Al Gore é aqui exagerado é preciso contextualizar que este é o homem que apenas não substituiu Bush e o seu domínio de 8 anos devido a uma decisão do tribunal supremo americano.




13. The Cove (2009) - Louie Psihoyos – EUA - crítica
"A baía da vergonha” em português é uma inflamadora obra extremamente bem executada naquilo que um documentário deve ser como obra de informação, divulgação de matéria sensível e até como documento político: o filme incide sobre a cidade japonesa de Taiji e a sua baía secreta onde todos os anos são massacrados cerca de 23.000 golfinhos numa demonstração de crueldade inimaginável, ao mesmo tempo que esta brutalidade é escondida do resto do mundo. De uma forma concisa e persuaviva, o documentário demonstra claramente o ponto que pretende passar, e a confrontação com a realidade não deixa espaço para o espectador olhar para o lado: como diz alguém no filme ”Ou se é um activista, ou se é um inactivista”. Porém, acima de tudo o filme tem o mérito de apresentar uma mensagem inspiradora na forma como mostra que através do activismo e da acção de um pequeno grupo de pessoas empenhadas é possivel mudar algo, deixando um apelo sentido contra o conformismo.


12. The Take – Avi Lewis - Canadá
Não é um filme que se destaque pela encenação mas que vive sobretudo da história que conta e da sua importância actual. Naomi Klein, entre escrever “No Logo” e “The Shock Doctrine” viajou para a Argentina com Lewis para acompanhar de perto as repercussões do descalabro da moeda nacional e uma das mais graves crises económicas dos últimos 40 anos. Dois anos depois da crise de 2001 encontramos um país em ruptura com o modelo ultra-liberal adoptado pelo antigo presidente Medem baseado no pacote de medidas sugeridas pelo FMI, mas o filme não vale apenas por recordar o que aconteceu mas também por documentar o que se passa nessa altura nas ruas e fábricas argentinas em que desponta um novo movimento de união entre trabalhadores solidificado num novo modelo de cooperativa a partir das fábricas encerradas no seguimento da crise, que aqui é testado ao mesmo tempo que se decide o futuro do país nas eleições presidenciais, com Medem a tentar regressar ao poder.


11. No End in Sight (2007) - Charles Ferguson - EUA
O mais completo documentário sobre a guerra no Iraque é uma crítica devastadora para as justificações políticas da invasão e para as decisões de condução da guerra no terreno. Incidindo sobre os primeiros dois anos da guerra, isto é, até à ao ponto de quase guerra civil em 2004, o filme mostra a sequência de erros em cadeia que levaram à deterioração insustentável da situação no Iraque e a falta de preparação antes da guerra torna-se completamente transparente e reveladora de uma arrogância desesperante. O filme é especialmente pungente na forma como entrevista pessoas no terreno, militares ou civis experientes, que rapidamente viram a sua vida em perigo devido a decisões que se revelam mais políticas do que baseadas em qualquer conhecimento da situação ou do contexto, e que são muitas vezes instauradas por jovens sem experiência prática escolhidos para o seu posto pela filiação partidária - apenas um exemplo entre muitos que ajudam a compreender o que aconteceu no Iraque e ter uma visão geral de uma ocupação, que para todos os efeitos, ainda não terminou.

julho 06, 2010

Kairo

Kairo de Kiyoshi Kurosawa, 2001 (8/10)
Horror em japonês, mas sobretudo num silêncio fantasmagórico.