Les amours imaginaires de Xavier Dolan, Canadá 2010, 7/10
Se o filme debate-se com sentimentos difíceis de agarrar ou compreender, este "Les amours imaginaires", que lida com a rejeição e a solidão, é apropriadamente um retalho de momentos desconexos colados por momentos musicados, que emula de certa forma a confusão intrínseca e emocional das suas personagens. Misturando altos sensoriais como recortes de festas excessivas com baixos ressacados de solidão cortante e composto por sequências isoladas, a desconexidade não é exactamente algo mau porque ajuda a reproduzir o sentimento de desejo de afastamento em relação ao resto do mundo numa contraditória procura de uma qualquer ligação. É especialmente enebriante na sua cadência etérea, no sublinhar dos seus momentos efémeros, esta história de um triângulo amoroso dolorosamente indefinido em que os dois mandatários sentimentais do filme, um rapaz e uma rapariga desamparados, giram à volta de um outro rapaz que parece divertir-se a jogar com as suas expectativas. A personagem interpretada pelo realizador, Xavier Dolan, deambula à procura de identidade própria, à procura de ser encontrado antes de se encontrar, exprimido primariamente através da sua sexualidade reprimida (a referência à escala de Kinsey), acaba por rever-se não no rapaz que persegue mas na rapariga sua concorrente, pois é com ela que partilha afinidades existenciais, semelhanças numa auto-destruição de insegurança e procura de lugar no mundo de que ao mesmo tempo procuram fugir, num encontro entre desencontrados até chegarem a uma eventual resignação. A sua reacção-repulsa no final do filme é apenas natural, uma afirmação da impossibilidade de deter a sua marginalidade, de compromisso.
Toda a indefinição pessoal é espelhada estilisticamente na técnica explorada ao longo do filme. Pautado por breves interlúdios de depoimentos de desconhecidos num formato próximo do documentário, pequenos toques de perspectiva que ajudam a relançar as sequências seguintes da história e fortalecer o sentimento de confusão desligada. Dolan, que aos vinte e um anos assina aqui o seu segundo filme (ambos apresentados em Cannes e o primeiro, "
J'ai tué ma mère", multi-premiado), aparenta uma vontade genuína de experimentar sem medo e sem preconceitos, à procura de luz e de voz própria, não tem receio em colar-se a diferentes inspirações. A câmara nas mãos de Dolan é livre e hipnótica e a utilização de zooms ou slow-motions extremos com músicas por cima (Fever Ray e uma versão estonteante de "my baby shot me down" ficam na memória) são exemplos claros do recurso de Dolan a materiais reciclados, mas sem que tudo funcione para negar o interesse do resultado final. Apesar de tudo não é tão melodramático como poderia ser e a infusão de energia juvenil mas nada imatura de Dolan permite uma aproximação fresca a material vintage, construíndo um interessante exercício sentimental sobre as pulsações dos dois personagens diletantes, com pequenos momentos polaroids gravados no tempo que ficarão para trás.