janeiro 19, 2009

Shortlist dos filmes para Oscar Melhor Filme Estrangeiro

Segundo o site incontention.com já são conhecidos os 9 filmes a partir dos quais sairão as nomeações para o Oscar Melhor Filme Estrangeiro. O italiano Gomorra fica de fora, tal como o português "Aquele Querido Mês de Agosto".

Lista dos filmes:

“3 Monkeys” (Nuri Bilge Ceylan — Turkey)
“The Baader Meinhof Complex” (Uli Edel — Germany)
“The Class” (Laurent Cantet — France)
“Departures” (Yojiro Takita — Japan)
“Everlasting Moments” (Jan Troell — Sweden)
“The Necessities of Life” (Benoit Pilon — Canada)
“Revanche” (Gotz Spielmann — Austria)
“Tear This Heart Out” (Roberto Sneider — Mexico)
“Waltz with Bashir” (Ari Folman — Israel)

O grande favorito à vitória final é o animação "Waltz with Bashir", de Israel. Uma nomeação para Laurent Cantet e Nuri Ceylan já seria óptimo.

Top10 2008 do jornal "Público"

As escolhas dos críticos do jornal "Público"

1. O Segredo de um Cuscuz - Abdellatif Kechiche
2. A Turma - Laurent Cantet
3. Este País Não é para Velhos - Joel e Ethan Coen
4. Austrália - Baz Luhrmann
5. Gomorra - Matteo Garrone
6. Quatro Noites com Anna - Jerzy Skolimowski
7. Nós controlamos a noite - James Gray
9. Darjeeling Limited - Wes Anderson

"Nós controlamos a noite" e "Antes que o Diabo Saiba que Morreste" no top, e There Will Be Blood e Into the Wild de fora? Austrália e Darjeeling Limited, mas "he Assassination of Jesse James..." de fora?

janeiro 07, 2009

Burn After Reading (ou antologia Coen)

Burn After Reading - 4/10
de Joen & Ethan Coen


É notável a diversidade da obra dos Coen: com Blood Simple (8/10) tiveram uma primeira obra marcante que estabeleceu desde logo a capacidade em criar um universo próprio para cada filme, explorando o gosto por detalhadas composições com setups visuais cuidados (o famoso plano das balas que ao perfurarem a parede abrem pequenas linhas de luz na escuridão); obras fortemente estilizadas, apropriando-se de linguagem e símbolos de determinados géneros, como em Miller's Crossing (6/10 - manual de filmes de época sobre gangsters), ou The Hudsucker Proxy (6/10 - investimento noutro filme de época, américa nos anos 50, num ambiente com tom de fantasia ampliado pelo uso de slow motion e manipulação do tempo), ou até The Man Who Wasn't There (5/10 - manual de luz e sombras num filme a preto e branco, com tons de film noir) e Oh Brother Where Art Thou? (8/10 - réplica de outra altura da história americana, com experimentação em tonalidades anormais e introdução de elementos musicais), obras onde por vezes o conteúdo visual arrasa o pouco conteúdo narrativo, mas mesmo assim sempre obras interessantes pela amplitude e multiplicidade das ideias visuais, uma vez que cada obra contém um pequeno mundo construído de raiz pela imaginação dos Coen, em que os personagens são parte integrante e produto da época descrita.

É também notável a variação entre temas e tom adoptado nos diferentes filmes: desde obras sombrias e duras (Blood Simple, Miller's Crossing, The Man Who Wasn't There), onde a estilização absoluta domina o argumento que muitas vezes recorre a influências do género de filme escolhido (a história pouco original de filme noir para o filme preto e branco); a comédias muito mais típicas na sua estrutura (Raising Arizona - 8/10, exagero da criminalidade idiota e retrato do sul; The Big Lebowski - 9/10, elogio à preguiça stoner californiana com mais criminalidade idiota), que facilmente obtém resultados fantásticos quando o estilo acompanha o lado caricatural das personagens e eventos; incluindo obras que misturam um tom narrativo sério mas inspirado em temas e escolhas visuais mais exóticas, quer na criação de personagens e de uma linguagem visual única, adoptando pontos de vista emocionais fora do normal que contribuem para uma visão única no cinema americano recente (Fargo - 10/10, a corrupção da violência e ganância num cenário único; Barton Fink - 7/10, um escritor novo em Hollywood começa a ter pesadelos reais; No Country For Old Men - 7/10)... no entanto existem também filmes intermédios, quase inconsequentes, que não acrescentam nada de novo e não resultam da construção do tal mundo próprio mas antes tangentes a realidades mais comuns de outros filmes e que habitualmente nos Coen aparecem em experiências na comédia: The Ladykillers (5/10), Intoreable Cruelty (4/10) e infelizmente, é o caso de Burn After Reading.

Depois do Oscar para melhor argumento ganho com Fargo, um momento até então impensável para o cinema indie americano, os Coen fizeram uma comédia despreocupada e pouco "digna" de um vencedor de Oscar, tendo em The Big Lebowski um dos seus maiores sucessos: aí, a liberdade criativa e a liberdade em relação a expectativas de agradar aos críticos e público do mais intelectual Fargo permitiu-lhes criar uma colecção de personagens e eventos caricaturizado ao máximo (o Jesus de John Turturro), com devaneios formais (as cenas dos sonhos de The Dude). Depois do ainda mais intelectual No Country For Old Men com o qual ganharam o Oscar de Melhor Filme, a ideia terá sido a mesma, mas com tons de tentativa de agradar aos que admiraram a sua dissidência original em relação a Fargo, com novo escape pela comédia exagerada, mas o resultado fica longe do alcançado com The Big Lebowski: um início promissor, com a ideia de explorar o conceito de uma cidade como Washington, onde grande parte da população ou é político ou trabalha para um ou está envolvido com uma qualquer agência secreta ou é jornalista, abordado muito ao de leve logo no início num diálogo durante um jantar, mas o enredo acaba por fixar-se em 3 funcionários de um ginásio local (entre os quais Brad Pitt, num dos poucos pontos interessantes do filme, e uma Frances McDormand deslocada) e os seus comportamentos quase deliberadamente idióticos (junto com piadas inócuas sobre relacionamentos e preocupações sobre aparência pessoal), com a personagem de George Clooney cujo papel parece ser o de confundir o espectador e um Malkovich a repetir o estereótipo de excêntrico loser. As aventuras das personagens têm alguns momentos verdadeiramente engraçados quando envolvem a ideia de conspiração internacional mas o mais desapontante é o final e a personagem do Chefe que vai fazer sentido de toda a trapalhada, ou melhor, explicar que a trapalhada dos outros não faz sentido nenhum apesar de ser a razão de ser do filme - uma má colagem da personagem do cowboy em The Big Lebowski, que aparece no final do filme a comentar sobre a história, a explicar que a vida é assim e não há nada a fazer...

Heavy Metal in Baghdad

Heavy Metal in Baghdad (2007) - 7/10
de Suroosh Alvi e Eddy Moretti

É um documentário sobre a história de 4 jovens músicos iraquianos que são membros da única banda de Heavy Metal no Iraque. Aliás, provavelmente a única banda do mundo cujo local de ensaios foi bombardeado pelos EUA. A única banda cujo local do último concerto foi destruído por um atentado das milícias locais. Isto é, não é o típico documentário musical. Aliás, começa logo com a descrição das dificuldades em fazer o filme e a decisão do realizador de viajar até ao Iraque à procura dos membros da banda, e o que ele encontra em Baghdad em plena guerra civil em 2007. O ínicio do filme mostra-nos em primeira mão imagens que raramente chegam pelos media ocidentais (uma das histórias que descobrimos é que os jornalistas ocidentais não saem da Green Zone, antes pagam a cameraman iraquianos para ir buscar imagens à cidade e depois fazem a narração da notícia por cima dessas imagens): cidade em que reina a insegurança com snipers escondidos, carros-bomba à espreita, tiroteios ao longe e raptos a qualquer momento do dia - qualquer documentário nessa altura de Baghdad por qualquer que seja o motivo do filme teria que descrever a situação geral da cidade, dominada por miséria, pobreza, falta de electricidade ou água constante, impossibilidade de circular livremente nas ruas, recolher obrigatório à noite – e que neste filme é melhor exemplificado pela voltas de carro que o realizador é obrigado a tomar sempre que sai à rua, sempre rodeado de seguranças privados, e pelos planos de noite em que o realizador olha da varanda do seu quarto de hotel os tiroteios e explosões que decorrem ao longe, reduzido ao espaço da varanda pois de noite não há nada a fazer, apenas observar de longe. Um retrato eficaz de um mundo que nos chega a casa todos os dias nos telejornais e que aqui é exposto simplesmente por a câmara estar no local.

A segunda parte mostra-nos a história surreal destes músicos e a situação no Iraque através dos seus olhos – existem vários níveis na abordagem: desde a situação de insegurança e desconfiança completa (quando a policia é apenas outra milícia e circular na rua é uma dificuldade diária), do isolamento do resto do mundo e falta de meios para ter uma vida normal (uma simples deslocação a casa do amigo é um perigo quotidiano), até às especificidades de ser músico de heavy metal no Iraque: o facto de não poder usar cabelo comprido ou o perigo de utilizar t-shirts de bandas americanas, isto é, a pressão do extremismo islâmico sobre a sociedade – que aumentou exponencialmente após a queda do regime de Saddam, substituído por vários líderes fundamentalistas religiosos – e consequente dificuldade em ser aceite pela música que gostam pelo perigo que o fascínio pela cultura ocidental numa tal sociedade envolve, ou a simples dificuldade em praticar música ou dar concertos. Vemos em primeira mão os efeitos da invasão americana e o caos diário em Baghada: pouco depois do ínicio da guerra os membros da banda, apesar de viverem todos na mesma cidade, deixam de se falar ou encontrar uns com os outros porque é impossível viajar em segurança por alguns bairros e a precariedade das condições quotidianas força-os a terem outras preocupações. Uma observação interessante é feita por um dos membros da banda ao rejeitar os estereótipos de separação sectorial, afinal ele, um Sunita é casado com uma Xiita - mas o filme nunca tenta politizar a história deles.

Existe tambem um lado humanista importante exactamente na rejeição de estereótipos por parte do filme – afinal estes 4 jovens apenas querem ter a possibilidade de ter um escape na música, de poder tocar e dar concertos, mostram um forte fascínio cultural pela cultura metaleira produto do ocidente, os cabelos longos e t-shirts pretas, aliado ao facto de falarem fluentemente inglês, até com influências como repetir palavras típicas (“dude”) de uma juventude americana idealizado pelo contacto que estes iraquianos têm com essa cultura através de filmes ou revistas – permite construir um retrato eficazmente humano das individualidades destes 4, diferentes de quaisquer generalizações e preconceitos de que são todos terrorristas-fanáticos sem cultura, humanizando estes iraquianos ao os colocar num nível semelhante a outros jovens músicos rebeldes em qualquer outro lado do mundo, e que aqui são forçados a subsistir em situações de extraordinárias dificuldades. É aqui que sobressai o lado do filme como um triunfo humanista: a visão do realizador que se concentra nestes 4 jovens como músicos aspirantes, certamente que em circunstâncias impossíveis, mas nunca reduzidos à sua étnia ou condição.

O filme mostra também outra consequência da miséria iraquiana, o êxodo para a vizinha Síria onde são cidadaos de segunda (o sentimento de estar longe de casa), onde esforços para continuar a sua veia musical representam a importância da música nas suas vidas para sobreviver ao quotidiano e a um futuro sem esperança.