Se Bleu era um filme sobre luto e sofrimento que acaba num elogio ao amor, Blanc mostra o percurso inverso: do amor ao sofrimento. O filme tal como em Azul começa com o evento que vai definir o resto do filme: um polaco (Karol por Zbigniew Zamachowski) no tribunal é confrontado com o pedido de divórcio da sua mulher, uma jovem francesa (Dominique por Julie Delpy) infeliz e insatisfeita. Somos introduzidos num momento da sua vida descendente, em que tudo lhe começa a correr mal: perde o casamento, o emprego, a casa, os documentos – é ainda torturado pela sexualidade exoburante de Delpy que o expulsa da sua vida e o ignora, deixando-o em pleno desgosto amoroso, a dormir no metro e sem dinheiro, até que um outro polaco se presta a ajuda-lo a regressar a casa, depois de o encontrar a tocar música nos corredores subterrâneos com um pente como instrumento musical improvisado. Antes de partir há um momento-cena, que tal como as mãos de Juliet Binoche a arrastarem-se por uma parede em Bleu, irá marcar o filme e ser evocado várias vezes na memória do nosso personagem principal, que desta vez funciona para o convencer a partir, que não há mais esperança em Paris: depois de na rua olhar de longe a janela da casa onde vemos a silhoeta de Delpy acompanhada por um estranho, telefona-lhe a partir do metro e ela responde-lhe com gemidos que irão assombrar o seu presente e o deixam sozinho a chamar pelo nome dela, ignorado.
O filme é muito mais linear e menos auto-referencial que Bleu, com uma narrativa mais convencional, pelo menos aparentemente: acompanhamos a jornada de Karol a tentar regressar a Delpy, a regressar a França como um homem de sucesso e desejável, de modo a reconquista-la, com o desejo do reencontro a motivar todas as suas acções, mas não será assim tão simples como um “twist” no fim irá revelar - a sua motivação não é recuperar o amor de Delpy, mas deixa-la sozinha como ele a chamar o nome dele, sofrendo o mesmo desgosto que ele, abandonada, sem esperança.
Se Bleu tinha como cor central a liberdade, em Blanc o simbolismo é a igualdade, e se na realidade o filme aproveita os tons neutros da neve para embelezar a imagem, a igualdade de que trata o filme é mais agressiva – é a base da história e das motivações do nosso polaco, que após sofrer o desgosto amoroso e abandono inicial, que vive atormendado com um desejo não correspondido, procura deixar a personagem de Delpy no mesmo estado, uma procura de simetria emocional, ao querer que ela sinta o mesmo que ele e não um simples desejo de reconquista tipico de comédias romanticas (e é neste pormenor que reside o génio desta parte da trilogia), ao procurar inflingir-lhe um coração quebrado.
Quando ele regressa à Polonia (depois de um fantástico uso de uma mala – literalmente mais que uma metáfora de viagem) começa a construir o seu percurso de sucesso por baixo subindo à custa do seu empreendorismo, num comentário à mundanidade própria de tal ascensão (a falta de escrúpulos, a atenção nas aparências, o isolamento – um aproveitamento da Polónia pós-comunismo). Ajudado pelo seu amigo polaco com quem partilha um sentimento de lealdade depois de o ajudar a repensar o seu desejo de suícidio (um forte momento de tensão que ligará as duas personagens), consegue atingir os seus objectivos mas para fazer regressar Delpy, falta ainda algo extremo – fingir a sua morte, num claro sinal do desespero e maquievelismo do desejo de retribuição do seu sofrimento. É aqui que começa a sobressair o tom amargo do filme, a natureza obsessiva do personagem principal, depois do ligeiro toque de comédia do início (a viagem para a polónia, a cena no balcão de bagagens perdidas, a exclamação de Karol depois de acabar roubado, agredido e numa lixeira: “Finalmente em casa!”), qualquer inocência inicial perdida.
A escolha dos actores para os diferentes papeis ajuda também a contextualizar as personagens: o aspecto inofensivo e franzino de Karol, que depois de conquistar Delpy vai conquistar o mundo empresarial para tentar voltar a conquistar Delpy, é evidenciado também no comportamento de quem o enfrenta, que não é visto como uma ameça e é até subestimado várias vezes (desde os ladrões do aeroporto ao seu chefe); por outro lado a languidez transpirante de Delpy e a sua juventude ajudam a definir a sua impulsividade e inacessibilidade.
A câmara volta a centrar na face do personagem principal tal como em Bleu e em pequenos objectos como gesto – o pente que ele usava para tocar musica no metro e agora mantem como lembrança de tempos piores, que ele comtempla depois de voltar a telefonar a Delpy já na Polónia, a memória da cena inicial do seu telefonema a assombrar o seu sono durante noites em branco – voltamos ao ínicio, como acontece várias vezes durante o filme.
A conclusão leva-nos ao oposto do primeiro filme: Se em Bleu o sofrimento inicial perdura durante todo o filme para no fim chegar a um elogio ao amor como solução para a solidão, em Blanc o amor inicial conduz-nos durante o drama, aparentemente como força motriz, mas na realidade termina num elogio ao tormento da perda amorosa, sem redenção. No fim Karol tem Delpy presa, como numa caixa, disponível para ele a ver quando entender. E ela responde em linguagem gestual que está à espera dele, ao que ele corresponde com lágrimas.