menção honrosa (documentário):
Man on Wire - James Marsh - EUA
Patti Smith: Dream of Life - Steven Sebring - EUA
menção honrosa:
The Limits of Control - Jim Jarmusch - EUA
A Corte do Norte - João Botelho - Portugal
The Burning Plain - Guillermo Arriaga - EUA/México
Welcome - Philippe Lioret - França
Rachel Getting Married - Jonathan Demme - EUA
Eden Lake - James Watkins - GB
Synecdoche, New York - Charlie Kaufman - EUA
Vicky Cristina Barcelona - Woody Allen - EUA/Espanha
Moon - Duncan Jones - GB
Los Abrazos Rotos - Pedro Almodóvar - Espanha
35 Rhums - Claire Denis - França
L'heure d'été - Olivier Assayas - França
Tetro - Francis Ford Coppola - EUA/Argentina
Aruitemo Aruitemo - Hirokazu Koreeda - Japão
A solidão de um pode ser a solidão de dois. Com sangue frio se aquece o coração dos dois personagens principais, uma improvável aliança entre um tímido rapaz com problemas com os colegas na escola e uma rapariga que só sai de casa à noite, que vivem na escuridão do isolamento. Com sobriedade no ritmo e paisagens fantasmagóricas, Alfredson cria suspense de cortar a respiração para desviar o olhar e filmar o periférico com contenção quando é necessário, no que é também uma fantasia de vingança. Prova de que menos pode ser mais.
Depois de La Cienaga e La Nina Santa, Martel mergulha sem rede de segurança no marasmo emocional desta mulher perdida, recorrendo apenas a magistrais enquadramentos que expõem todo o horror do vazio da normalidade burguesa. Um tremendo retrato acusador do estado das coisas, numa vertigem sonâmbula que acompanha uma letárgica María Onetto até ao precipício. Martel atinge um estado notável de abstracção que nos deixa com quase nada no fim.
Mesmo tendo vários elementos comuns a outros filmes de Tarantino, como os longos diálogos com referências culturais obscuras (neste caso a G.W. Pabst e H.G. Clouzot), é um registo diferente para Tarantino esta obra de época de escapismo fantasioso. Menos interessado em cenas de violência aleatória (mas não totalmente), dedica-se à composição cuidada de personagens utilizando pausas para criar suspense recorrendo a um ritmo menos frenético mas mais operático, arrastando cenas até ao seu limite, evocando da melhor maneira os quadros de Sergio Leone. Repleto de set-pieces memoráveis e demonstrando uma fé literária no poder do cinema, é um filme composto por pequenos grandes momentos.
É o primeiro filme de Zonca depois do íntimissimo “La vie rêvée des anges” de 1998 e se à primeira vista parece ser desde o ínicio outro estudo subjectivo e pessoal de uma personagem perdida no seu mundo próprio de depressão, uma alcoólica desamparada neste caso, interpretada por Tilda Swinton num verdadeiro tour de force, é surpreendente como o subjectivismo se transforma num pesadelo de decisões duvidosas por parte de alguém afundado no seu descalabro enquanto tudo desabafa à sua volta para manter um elevado nível de suspense – tudo pode acontecer a dado momento, a qualquer elipse – tensão que acompanha a passagem de um estudo de uma situação delicada para um estado extremado e emocionalmente caótico, em que a redenção depende da dura rendição aos factos, numa perversão de uma tragédia shakespeariana.
No último filme como actor Eastwood atinge a reversão final das personagens proscritas dos Westerns ou reaccionárias de Dirty Harry, uma evolução mimetizada na viagem da personagem de Gran Torino e que já vinha a marcar as suas últimas obras como realizador (sendo Million Dollar Baby o melhor exemplo). Sempre solitário e contudo desconfiado das normas sociais, o protagonista é obrigado a re-examinar-se por um confronto menos óbvio em relação aos que está habituado a lutar: é forçado a abandonar a paz do seu isolamento quando a desordem alheia lhe bate à porta e acaba por criar uma relação com dois jovens irmãos vizinhos, identificando-se com os seus problemas de desajustamento social. Contra estereótipos e pressupostos fáceis o filme é resolvido num último surpreendente gesto carregado de simbolismo como acto final de uma carreira, um elogio à compaixão e ao valor de uma atitude desafiadora contra o estado das coisas, sem esquecer que nunca é tarde demais para o fazer.
Esta primeira obra de um realizador de 26 anos é porventura o filme mais desanimador de todos de 2009, pela brutalidade com que estabelece dois factos, possivelmente interligados: a) face à mescla de estilos e referências utilizadas pelo jovem realizador (Van Sant, Larry Clark, Haneke), ficamos frente a frente com a pergunta: será que estilisticamente já foi tudo estabelecido e resta apenas a hipótese de apropriação no futuro? b) a indiferença quase aceitação de uma apática indolência moral, de uma perda de esperança e conformismo com uma canibilização sentimental é o futuro para uma geração derrotada de início, confinada entre o youtube e anti-depressivos? Campos explora a ligação entre os dois temas pelo modo como mostra o seu desafecto cénico e constrangimento pelas personagens entregues à sua própria sorte, numa obra cínica, perturbadora e provocadora.
Com um ínicio estarrecedor, recorrendo ao hiper-realismo para acompanhar a desorientação na introdução do jovem protagonista a uma espiral descendente de loucura, numa composição claustrofóbica que não deixa espaço para o espectador desviar o olhar, Tahar Rahim é assombroso numa viagem de ida (e volta) aos confins da abstracção emocional como meio de sobrevivência. Com a perda da liberdade física compromete-se a moral neste conto de ardência lenta, em que a redenção está sempre presa por um fio (da navalha) em espantosas sequências quase de carácter mitológico, em que o formalismo se desvia do realismo para sublinhar a aura singular da ascensão do inferno do protagonista desta história transformada por momentos em fábula.
Um corpo preso num fato, um soldado preso num trabalho, um homem encurralado na única forma que tem de fazer alguma diferença, numa tortuosa série infindável de desafios, entorpecido pela procura de uma fuga do seu purgatório. Bigelow sempre filmou acção como poucos mas sabe que é no espaço que dá às personagens para mostrarem a sua complexidade que fica a ganhar. Se a procura do perigo é forma do protagonista sentir algo de real, é a sua derradeira dessensibilização à realidade que o conduz à anestesia emocional e que o condena, sublimemente exemplificado por uma cena final na América que muda todo o tom do filme, contextualizando tudo o que vimos antes e o amargo que vem a seguir.
Um homem preso num corpo, à procura de liberdade, sempre. Se Che é composto por duas partes que funcionam com uma identidade própria, e "The Argentine" é a introdução que define as razões e o plano ideológico mas também muito mais que isso (filme de aventura desconstrutivo da Cuba de Batista), é com "Guerrila" que Soderbergh define a sua marca artística e se atira para a selva sul-americana lado a lado com Che, como que lhe confiando a sua vida num acto de fé. É no entanto quando se considera as duas partes como um todo que se descobre um verdadeiro épico sufocante na sua escala e entrega à solidão de Che, um homem encontrado e perdido na guerra, trágicamente incapaz de apatia e resignação, através de um filme-poema de silêncios e respirações malsofridas. Passamos o filme colados a Benicio del Toro desaparecido em Che, numa procura de descodificação do homem-mito, mas é quando o filme muda na cena final para o seu ponto de vista que ficamos presos ao mito.
É a inversão perfeita numa subversão de Aronofsky do arco convencional dos filmes tradicionais com uma mensagem, que atesta da desesperação retratada. Uma adaptação do socialismo de intervenção dos irmãos Dardenne, exemplificado no subjectivismo com que acompanhamos um Mickey Rourke na sua gloriosa tristeza, sublinhado por uma candura no modo como se cria empatia com a sua personagem, um lutador marcado pelas cicatrizes do passado à procura de reparar ligações presentes e de uma salvação possível. O sucesso do filme passa também pela janela de esperança fugaz que apresenta, de um vislumbre trágico do que poderia ser, um minimalismo afectivo na sua solidariedade. É o retrato final numa colecção de 2009 de homens e mulheres em rota de colisão com a sua auto-destruição, auto-inflingida ou não, numa combustão que é o melhor substituto a ficar parado.
4 comentários:
A lista é realmente muito forte e muito consistente, quase todos eles muito premiados e amplamente reconhecidos. Apenas percebo a ausência do “Ne Change Rien” de Pedro Costa na seccção documentário ou no Top 3 por não o teres conseguido ver... (é lamentável este filme não ter tido uma exibição decente).
Na secção de documentários, o “Maradona” de Kusturica merecia um lugar. É um documentário muito bem conseguido porque faz o balanço do percurso que o melhor jogador de todos os tempos teve e tem e que como continua este seu reinado sobre a Terra. Acho sobretudo relevante a forma como Kusturica expôs a força que o futebol tem para fazer dum jogador uma personagem de referência nacional e mundial e de mostrar como é que um jogador anónimo se tornou Rei. Depois há a vida pessoal, os combates que Maradona travou, as peripécias da vida, etc. Sem dúvida um documentário de destaque.
Sobre o Top 10, o The Wrestler é o 1. Não há dúvida e nem vale a pena acrescentar mais nada.
Talvez o “Home” da Ursula Meier estivesse no meu Top 5. Acho um filme brilhante sobre a aproximação à casa, ao início do nosso mundo e a influência que uma auto-estrada pode ter na forma como habitamos e vivemos. É uma exploração fantástica sobre uma família, uma casa e um território, sem nunca deixar de lado uma densidade emocional e psicológica dos personagens muito forte. Recomendo.
O “Rachel Getting Married” é outro filme que merecia mais alguma coisa. É mais outro filme que disseca de uma forma fabulosa a disfuncionalidade de uma família, o problema das drogas, dos afectos, das responsabilidades, da força que é necessária para a reconciliação e para a superação de acontecimentos que não se apagam. Kim (Anne Hathaway) faz um papelão. Grande filme!
“Un Prophéte” e “Afterschool” sem dúvidas duas referências de 2009. Este último foi uma experiência surpreendente, embora com claras referências estilíticas. Mas um excelente e promissor início de carreira nas longas metragens de Antonio Campos.
Já “Mujer sin Cabeza” é um filme imponente na caracterização do ambiente emocional de Verónica (María Onetto). Se por um lado há um referência a uma burguesia decadente e mergulhada num ritmo patético da vida, por outro há um grande desconcerto de Verónica sobre o lugar que ocupa naquele meio e no mundo. O acidente, poderá ser um despoletar de tudo, mas duvido que o tenha sido. Na verdade, foi a confirmação de que Verónica vive um mundo desconcertado, sem hierarquias e numa frustação total de sentimentos, de erotismos, de sexo, de afectos familiares, de tudo... Neste sentido, o filme termina, ou melhor, aponta uma continuidade do eclipsar desta personagem que se adivinha trágica... Sem dúvida um filme a ver.
Sobre o “Limits of Control”, não acrescento muito mais porque percebo perfeitamente a tua análise, e assim sendo é coerente.
Contudo, é intrigante a presença de “Eden Lake”. Não chega para ser cinema e fica-se pelo entertenimento. Podia ser uma comédia romântica mas prefere o thriller e o terror. Na verdade é tudo muito construído e previsível. Desde o casal maravilha mergulhado num romance apaixonada ao rosto delicado e à doçura de Jenny (Kelly Reilly) (afinal de contas um filme de terror tem que ter uma mulher delico-doce), ao grupo de adolescentes libertinos ao heroísmo de Steve (Michael Fassbender), as perseguições e as fugas sempre no limite de Jenny... e depois há o fim, talvez um momento que traz mais qualquer coisa porque fecha um ciclo de análise a uma pequena povoação. Se no início eram os miúdos e jovens os vândalos e indisciplinados, ficamos a saber que ali vive-se numa comunidade desregrada e com um código de conduta completamente subvertido. Que as estruturas sociais e familiares estão completamente alteradas e que afinal os miúdos não são mais do que um espelho de toda esta situação. Mas era previsível, afinal, nenhum filme de terror acaba com a protagonista a pedir ajuda e a polícia a prender os delinquentes.
“Julia” confesso que também não o consideraria para esta lista. É um filme que pretende falar de tanta coisa com tanto enredo e tanta confusão que, no fim, fiquei sem saber o que realmente se quer com tudo aquilo. É cansativo e demasiado repetitivo. Há sempre mais qualquer contratempo, mais um impasse, mais, mais , mais... A relação entre o miúdo e a raptora é ridícula e leviana. Fica-se com a excelente prestação de Tilda Swinton.
Primeiro que tudo obrigado pelos comentários e pelo feedback.
Em relação aos documentários, infelizmente não tive oportunidade de ver o "Ne Change Rien". Quanto ao Maradona, obrigado pela sugestão, de facto também estava na minha lista de filmes a ver mas com o passar do tempo tive que optar por deixar alguns para mais tarde porque senão nunca mais publicava o top, mas fiquei com curiosidade em ver, especialmente por ser do Kusturica. Já agora, outro documentário que só recentemente tive oportunidade de ver é o "Les Plages d'Agnès" da Agnes Varda, que recomendo: é um auto-retrato impressionista que vale a pena pelas histórias à volta da nouvelle vague, o casamento com Jacques Demy, as viagens a China e Cuba...
Sobre o Home, é sem dúvida um filme-conceito que se destaca no panorama dos filmes de 2009, pela forma como se propõe a explorar a noção de espaço, mas que à medida que se desenrola entra nalguma estagnação narrativa especialmente a nível temáticO ao encurralar-se por um caminho (o isolamento, a modernização) que nunca aprofunda realmente as relações entre as personagens e que, pelo menos para mim, não chega a criar interesse emocional pelos seus destinos. Mas de qualquer forma é compreensível que certos temas tenham maior ou menor apelo pessoal e de qualquer modo é uma autora a seguir no futuro.
O Rachel Getting Married foi um filme que durante algum tempo cheguei a considerar para o top, é uma obra rica em complexidades e o facto de ser uma produção americana no formato dogma só torna o filme ainda mais aliciante (por exemplo no modo como integra a música) - acho que o estilo escolhido ajuda o filme a conseguir momentos honestos com espaço para a reflexão sem o pecado de forçar uma agenda ou parecer demasiado pedante, coisa que vai acontecendo com o cinema americano independente. Rachel é sem dúvida uma experiência a não perder.
Ainda sobre La Mujer..., concordo com tudo que escreveste, especialmente na referência ao acidente: é um pretexto que dá início ao filme, mas já estava tudo lá antes... é uma obra de coerência notável e desafio constante a filmografia de Lucrecia Martel, sempre a explorar as fronteiras afectivas... têm algum fundamento as comparações a Antonioni.
Apreciei bastante o teu comentário em relação a Eden Lake, especialmente porque sim, é a escolha mais deslocada ou arriscada da lista em relação ao conjunto dos outros filmes, é o filme que porventura poderia causar alguma estranheza a sua referência. A verdade é que sempre tive um interesse especial por filmes de terror e pela forma como dentro de um formato estabelecido há variações a convenções que estamos habituados a ver, que tem maior ou menor sucesso. Desde logo os actores são muito bem escolhidos: como dizes, Fassbender é perfeito para o herói homem comum e Kelly Reilly é tal dose de doçura necessária, caracterizações fáceis que o filme também vai inverter habilmente. No fundo é por jogar com as nossas expectivas - é um terror niilista (tal como Wolf Creek), é um sofrimento que se endura, um terror que se suporta pela janela de redenção final que nunca aparece, reminiscente também do desespero da impossibilidade de fuga de Texas Chainsaw Massacre e que se agarra ao pior da natureza humana (aqui ainda mais extremado por não acontecer devido a um qualquer psicopata assassino mas resultar de um grupo de jovens). Se olhando para trás o final do filme pode ser previsível, mesmo assim é um choque quando acontece e é essa capacidade de abstracção racional que o filme provoca eficientemente, ainda por cima com uma re-afirmação final do pessimismo extremo, uma desesperação que tem sempre interesse.
Relativamente a Julia, admito que tem dois problemas imediatos que podem impedir a apreciação do filme: a história pode parecer exagerada ou forçada se estivermos à espera de plausibilidade; e a personagem principal não é a mais apelativa em termos éticos para criar empatia com o espectador. Mas é no exagero, no exasperação criada pela torrente de contratempos que o filme vai avançando na composição de uma das personagens mais fascinantes do ano, adversidades quase necessárias para forçar a redenção moral de Julia depois do caos resultante da tragédia do seu livre-arbítrio... e é também um registo inesperado para Zonca, que apenas conhecia do "A Vida Sonhada dos Anjos"
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