junho 17, 2010

Lebanon

Lebanon de Samuel Maoz, Israel 2009, 8/10
l'enfer, c'est les autres

É um filme-experiência claustrofóbico, de imersão sensória total na desorientação própria de um cenário estranho de uma guerra estranha. Durante noventa minutos somos captivos do filme dentro de um tanque israelita junto com os seus quatro habitantes nas primeiras horas da guerra do Líbano em 1982.

O filme visualmente funciona em duas dimensões: a dentro do tanque, espaço físico limitador como mecanismo de tensão, e fora do tanque, através apenas da mira telescópica operada por um dos soldados, como janela para os horrores proporcionados pelo avanço do tanque. Esta divisão visual não é estanque, e se a dimensão interior apenas oferece uma segurança ilusória é rapidamente contaminada pelo que se desenrola no exterior, que à medida que germina uma dessensibilização crescente, uma inevitabilidade do cerco da morte à sua volta, desperta um sentimento de auto-preservação e de procura de justificação de uma desresponsabilização pelo que acontece – a certo ponto a única preocupação é abandonar o posto, ser substituído ou abortar a missão, o que apenas funciona para aumentar a pressão emocional cada vez que isso não sucede.

Mais do que uma qualquer ruminação como procura de sentido profundo sobre a psicologia dos soldados, o filme funciona melhor como pequena alegoria da situação extrema de guerra retratada como representativo da reacção humana frente a adversidade, numa abordagem de âmbito existencialista, numa ligação entre os actos de cada um e das suas consequências, da escolha ou falta dela como consideração reveladora da verdadeira natureza humana - isto é atingido através do retrato seco dos acontecimentos e na exasperação visível no rosto suado e chamuscado dos soldados, perdidos num estado de transe - com o tom minimalista e redutor das imagens o impacto visual primitivo tem primazia sobre tudo o resto: no tanque as personagens são definidas pelas suas acções, são como telas vazias sem passado que vão sendo preenchidas com as suas escolhas.

A dicotomia entre opções e consequências das acções, da possibilidade limitada de intervenção no exterior, da separação entre as duas dimensões é melhor exemplificada em duas sequências chaves para o próprio filme: na chegada a uma vila, a destruição e a morte já estão por todo o lado e a mira apenas consegue ver bocados desligados que apenas nos proporcionam uma realidade fragmentada, incapaz de se suster a si própria ou fornecer um quadro geral - as lágrimas de um cavalo abatido mas ainda vivo, um rapaz que escapa uma loja onde todos foram mortos, um velho sentado à porta de um café destruído. Esta separação-impotência é ainda mais exarcebada na sequência de ataque a um prédio, onde somos colocados na pele do atirador do tanque, que assiste congelado ao sequenciar dos eventos, testemunha activa da destruição duma família pela guerra – quando o único sobrevivente, uma mulher, deambula para a rua como que colocada no centro da calamidade, como significante vítima da crueldade humana, nua porque não há mais nada além do que vemos naquele momento, ninguém é capaz de mostrar a empatia necessária, e é aqui que a natureza voyeur do filme se define sem qualquer ambiguidade, estremecendo qualquer possibilidade de redenção, sem recuperação possível. A separação em relação ao resto do mundo, quebrada intermitentemente com a entrada do soldado superior no tanque para os meter em ordem e trazer notícias da outra realidade, vai ampliar as tensões entre os quatro soldados e defini-los, serão ao mesmo tempo torturadores e companheiros uns dos outros na travessia pelo inferno. É como se existisse uma intenção do filme em personificar através das personagens a deterioração causada pela guerra e que a introdução de um soldado sírio capturado e um mercenário ajudam habilmente a evidenciar. E é claro, com o avanço do tanque, com a proximidade do fim, aumenta o isolamento.

Lebanon como experiência sensorial primitiva que é pelo impacto primordial dos acontecimentos e retrato crescente de desesperação que vai construindo, funciona acima de tudo pela catarse visceral da experiência e confinamento dos soldados, do que por qualquer procura de intelectualizar ou necessidade de encontrar profundeza emocional nas acções das personagens – as tentativas de conferir personalidades próprias fora do contexto em que se encontram, como a tentativa de um deles contactar os pais ou a história de outro sobre uma professora, podem ser lidas como tentativas surreais de humanizar as personagens num contexto de saturação de dessensibilização, de absurdo emocional. É um dos problemas do filme: se o desgaste a partir de um certo momento atinge quase um estado de fadiga mental, um ponto a partir do qual já não parece fazer diferença ou afectar os soldados, o filme cai numa certa estagnação visual, recorrendo demasiadas vezes aos olhares em branco dos actores, planos que dependem em demasia de inferirmos algum significado próprio a esses olhares, de lhes atribuir alguma profundidade emocional em vez de se contentar com o horror do vazio. Porém tudo é compensado com a imagem final do filme, que justifica a repetição anterior como modo de exaustão até atingir o fim daquele huis clos.

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