Oslo, 31. august (Oslo, 31 de Agosto) de Joachim Trier, Noruega 2011, 9/10
O filme anterior de Joachim Trier,
Reprise, é uma pérola escondida do cinema indie da última década, que mais cedo ou mais tarde se descobre. Uma verdadeira sinfonia de corações miseráveis, é magnífico quanto à miríade de técnicas e efeitos cinematográficos usados para pintar um quadro repleto de voracidade e sobre a necessidade de agarrar a vida. Trier apresenta-se assim como um prodígio incapaz de conter a própria emoção em traduzir para imagens a sua pitoresca esquizofrenia visual. Cheio de ideias novas, Trier assemelha-se a um Wes Anderson hiper-activo pela altura de
Royal Tenenbaums, mas num plano mais amargo e menos cerebral, mais rendido ao instinto.
Com o seu segundo filme, após cinco anos de um longo interregno e dos 13 prémios internacionais de
Reprise, Trier apresenta
Oslo, 31 August como um recomeço que escapa à personagem do seu filme. Mostra-se mais sedado, menos confiante nas possibilidades do futuro e da redenção através do amor. A primeira vez que vemos a personagem principal (Anders), depois de um belíssimo prólogo que acaba com uma demolição, este fixa-se no seu reflexo numa janela, como uma aparição a olhar-se ao espelho. O que sucede a seguir é revelador porque a opção de Trier coloca, desde cedo, o filme no contexto da depressão, em vez de o cingir ao tema da dependência da personagem principal. Na verdade, a partir daquele momento Anders não recupera mais, não volta a respirar bem.
Apesar do filme rodopiar em torno da dependência de Anders, o problema que vai dirigindo o rumo do filme é a depressão sugerida pela vida pós regeneração, e a impossibilidade de um recomeço dentro de uma qualquer normalidade. É esta ideia de normalidade, como uma não-existência que a vida sem dependência lhe deixa, que assusta Anders. Sente-se invisível, como um voyeur condenado a ver o mundo de fora e isso rouba-lhe o ar. Este sentimento é exponenciado por Trier ao escolher representar a acção quase sempre em tempo real, condensando as dúvidas da personagem a um só dia em que o tempo parece ser contado ao minuto.
O retrato da monotonia da vida familiar, que lhe é apresentado numa visita a um amigo que no passado terá tido problemas semelhantes, lembra a Anders o receio de enfrentar responsabilidades adultas. Esse amigo está agora rendido aos aborrecimentos da classe média, onde as peças, uma vez todas encaixadas, formam uma maqueta exígua do resto da vida, planeada mas sem qualquer escapatória de um caminho mais ou menos igual, mais ou menos sóbrio, sem surpresas. Noutras ocasiões Anders vislumbra, na reacção dos amigos, os que ainda o recebem, uma confirmação do seu falhanço, do seu carácter irrecuperável, de tudo que odeia em si próprio.
Trier, que tinha dotado
Reprise de inúmeros efeitos como slow-motions, flashbacks, flashforwards e travellings de olhos fechados em bicicletas, aqui prefere fixar-se no desamparo na face de Anders à medida que o mundo lhe passa ao lado, à medida que o tempo passa por si. Trier trabalha com silêncios e pausas para nos permitir espaço para pensar, para compreendermos - e é esse espaço que a personagem principal tenta evitar, porque o preenche com pensamentos, porque não consegue adormecer a cabeça. Por muito que Anders tente ocupar esse vazio com as conversas que ouve sentado sozinho num café, ou numa festa onde conhecidos se tornaram estranhos, a auto-destruição e velhos hábitos lutam para não voltarem à superfície. O dia caminha para o fim, esta biografia num dia também, e 31 de Agosto é ainda o último dia de Verão em Oslo.
texto publicado também em: http://revistasombra.com/?p=643
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