Frederick Wiseman é um dos mais notáveis e influentes cineastas na área do documentário, responsável por criar uma linguagem própria, expandida ao longo de uma vasta obra com mais de quarenta anos. Apesar disso, apenas recentemente os seus filmes tiveram direito a estreia comercial nas salas portuguesas, com os filmes La danse (A Dança, 2009) e Crazy Horse (2011). High School (1968) é o segundo filme de Wiseman, e uma obra fundamental para compreender o apelo universal do seu cinema e conhecer o estilo que Wiseman ajudou a criar, que define o seu legado.
O direct cinema é uma corrente do documentário que surgiu na década de 60, desenvolvida por Wiseman e outros realizadores, entre os quais os irmãos Maysles (Salesman, 1969 e Grey Gardens, 1975) e D.A. Pennebaker (Primary, 1960). Este movimento apareceu primeiro que tudo devido a dois avanços tecnológicos: a maior portabilidade das câmaras de filmar, e a capacidade de gravar som em directo, e assim reagir aos eventos sem ter que interromper a acção. Esta maior liberdade de movimentos e maior continuidade permitiram a um conjunto de realizadores responder a um dilema moral na área dos documentários. Desde Dziga Vertov e a kino-pravda (cinema-verdade) que existia a ambição de um retrato objectivo e fiel da realidade, em que o cinema teria um papel apenas testemunhal e não interveniente. Mas dada a falta de meios, a falta de capacidade de reagir à realidade à medida que esta se alterava, Vertov e outros tinham que recorrer a uma encenação, para criar a ilusão de uma imagem próxima da realidade, tinham que criar a ideia da não-presença do realizador.
Agora com o direct cinema, a preocupação em não interferir com o que se filmava, em não ser parte activa da acção mas mero espectador, é assim ultrapassada, através de uma presença reduzida, na procura de chegar a uma cópia mais exacta da realidade. Como que um cientista a tentar minimizar os factores exógenos em relação ao que observa, Wiseman, através de uma ocupação continuada do espaço onde filmava, esperava que os sujeitos filmados se habituassem à presença da câmara. Apesar de compreender que a sua simples presença influenciava as respostas e comportamentos das pessoas filmadas, esperava que estes eventualmente agissem naturalmente. Os filmes de Wiseman e do direct cinema acabariam assim, através de uma abordagem teórica e estruturada, por dar forma a um sistema rigoroso e uniforme, mas capaz de ser influenciado pelo que filma. Esta estética acabaria por influenciar o cinema fora do género documental, estendendo-se até aos filmes de Hollywood e à linguagem televisiva contemporânea.
O método de Wiseman envolvia um estudo prévio escasso sobre o tema proposto, de modo a não carregar ideias pré-concebidas, seguido de um longo período de filmagem, de várias semanas, junto dos locais que decide examinar. Wiseman percebia que apesar da abordagem minimal durante a filmagem, não apresenta uma visão neutra, mas antes o resultado subjectivo da sua observação. Esta subjectividade é revelada na escolha do tema e mesmo durante a filmagem, na escolha do que era filmado dentro do plano e de como este era filmado, durante quanto tempo, e para onde decidia apontar a câmara. Mas a subjectividade era visível sobretudo na edição dos filmes. Wiseman trabalhava as várias horas que tinha registado para criar uma narrativa dentro do filme, apelando a construções subjectivas, para definir as personagens principais. Estas funcionariam como guias de empatia, para o espectador formar o seu próprio quadro da realidade através do que via nas imagens. Wiseman consegue assim criar empatia com as personagens anónimas do filme, porque mostram-se parecidas com os espectadores anónimos do filme.
High School faz parte de um conjunto de filmes que marcaram o início de carreira de Wiseman e ajudaram a definir a sua abordagem, quer no plano visual quer no plano teórico. Se no plano visual é importante a estética da câmara ao ombro, disfarçada de observador contínuo, imparcial e quase voyeur, é a escolha do tema que permite perceber uma primeira impressão do realizador sobre o filme. Wiseman escolhe para estes filmes um conjunto de instituições americanas que simbolizam e encerram em si uma ordem própria, de modo a comentar sobre o seu papel como organização autoritária e reformadora.
Em Titicut Follies (1967), Wiseman debruça-se sobre o quotidiano num hospital psiquiátrico, registando as tentativas para normalizar os seus ocupantes, enquanto estes procuram sobreviver a diagnósticos e a sentimentos de alienação e esquecimento. É um quadro violento, quer pela brutalidade das imagens registadas da desumanização dos pacientes, quer pelo registo seco e sem narração ou contexto além do que vemos – é a banalização da violência. Em Law and Order (1969), segue de perto o trabalho da força policial local, revelando mais uma vez as tentativas por parte da autoridade em controlar uma parte da população; Hospital (1970), Basic Training (1971) e Juvenile Court (1973) continuam a tentativa de Wiseman de dar visibilidade às pessoas anónimas destas diferentes instituições, comentando as relações de poder entre eles. Há a necessidade de individualizar as pessoas anónimas, dar-lhes voz e atenção, e investigar o papel formativo de quem detém o poder – os médicos, os professores, os polícias, os agentes do estado.
Em High School, Wiseman consegue apurar o seu sentido de observação ao mesmo tempo que descobre uma linha narrativa adequada à sua visão política do funcionamento da escola como organismo formador de alunos homogéneos, de pensamento único. High School é portanto importante para perceber a desconstrução metódica que Wiseman faz sobre o tema escolhido. Através de uma série de sequências do quotidiano escolar, que revelam a organização hierárquica do poder na interacção entre professores e alunos, Wiseman vai construindo um quadro que permite questionar o funcionamento do sistema.
Dia após dia, mostra como é incutida aos alunos a necessidade de respeito pela autoridade para o bom funcionamento da sociedade, do que são comportamentos correctos e menos correctos, quais os papéis aceitáveis de cada sexo – exemplos que são símbolos de uma ordem retrógrada – quem não conformar-se à norma é ameaçado de exclusão e isolamento pela sociedade. Desta forma, Wiseman estabelece uma crítica à escola como uma instituição anacrónica, parada no tempo e hermética, numa altura de grande convulsão social. A crítica estende-se aos agentes que exercem a autoridade, pela forma como utilizam a responsabilidade que lhes é concedida.
Várias sequências ilustram a crítica de Wiseman apenas pela simples exposição do que observa, desde o que deverá ser a interpretação correcta de um poema, ou aulas de educação sexual separadas por género, onde fica claro o comportamento responsável que é esperado das raparigas perante a irresponsabilidade aceitável dos rapazes. Há também uma história de um rapaz condenado a um castigo sem ter feito nada, como que perdido no castelo kafkiano das regras da escola, que quando tenta explicar a sua inocência esbarra na necessidade de aceitar o que lhe é dito sem protestar. Mas é a cena final que melhor exemplifica o que Wiseman procura evidenciar. Num auditório cheio, uma professora lê com emoção uma carta de um antigo aluno da escola, acabado de ser destacado para o Vietname, orgulhoso dos valores aprendidos e em seguir ordens para defender o país – apenas um corpo a fazer um trabalho, diz ele – e a professora concluí que isto é a maior prova do sucesso do modelo da escola: Wiseman não mais tem a dizer.
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