março 23, 2016

Beixi Moshuo (Behemoth, 2015)

Beixi Moshuo (Behemoth, 2015)

Beixi Moshuo (Behemoth, 2015), de Zhao Liang, China 8/10
visto no Porto/Post/Doc - texto original aqui

Behemoth é o nome de uma criatura mitológica que se alimentava de montanhas e não é por acaso que Beixi Moshuo (Behemoth, 2015), de Zhao Liang, exibido na competição, começa com uma série de explosões numa mina, avisando que neste filme o homem substitui-se ao monstro destruidor. Numa adaptação livre do texto da Divina Comédia de Dante, a terra transformada pela intervenção do homem surge como a imagem de um inferno desolado, numa sucessão de imagens de uma beleza natural aterradora, como uma imagem rasgada a meio pela divisão entre as pastagens verde e o negro do carvão minado. O filme intercala imagens alternadas da realidade, onde um corpo nu deitado no chão rodeado de espelhos serve de ilustração para uma voz-off que entoa frases poéticas, com imagens documentais que mais parecem uma realidade alternativa. Confrontados com os confins negros das minas de carvão, substituto do purgatório, e dos trabalhos infernais numa metalurgia, parece que estamos a ver um filme de ficção científica, como se estivéssemos a observar um planeta estranho e irreconhecível, no meio de uma escala difícil de compreender para o olhar humano.

Perante este panorama desolador, o filme atribui um lado humano à sua composição, que sobressai pela sua mensagem, quer pelos rostos dos mineiros cobertos de negrume, que todos os dias inutilmente tentam lavar da sua cara e dos seus corpos, quer pelas histórias humanas que começam a aparecer, este é o mito de Sísifo moderno. Quando Zhao Liang filma uma cidade fantasma de prédios novos nunca ocupados, perante os rostos e as mãos destruídas dos trabalhadores sacrificados, as consequências desta aniquilação ambiental são assombrosas, como um murro. Apesar de toda a sujidade e negritude que as imagens finais evocam, como os frascos de líquido negro retirados dos pulmões de trabalhadores doentes, estas não podiam ser mais claras: este caminho é o da asfixia.

In Jackson Heights (2015)

In Jackson Heights (Em Jackson Heights, 2015) de Frederick Wiseman

In Jackson Heights (Em Jackson Heights, 2015) de Frederick Wiseman, EUA, 9/10
visto no Porto/Post/Doc - texto original aqui

Com In Jackson Heights (Em Jackson Heights, 2015), Frederick Wiseman, cuja carreira se aproxima dos 50 anos, continua o seu mapeamento exaustivo da sociedade americana, detendo-se, desta vez, sobre um bairro profundamente multicultural em Nova Iorque. Na sua procura contínua de histórias, encontra uma comunidade vibrante mas também um bairro que atravessa uma crise de identidade. Por um lado, a ameaça económica da gentrificação, simbólica de uma uniformização ao estilo de vida americano, empurra aos poucos os habitantes e os pequenos negócios para fora do bairro, dando lugar a rendas mais altas e multinacionais. Por outro lado, a população não deixa de celebrar a sua diversidade e origens, como forma de afirmação cultural e de subsistência, ao mesmo tempo que procura integrar-se na sociedade americana. Wiseman ocupa o filme com diferentes episódios, que ora ilustram a enorme diversidade étnica presente no bairro, ora retratam as tentativas de manter uma identidade própria debaixo da ameaça de mudança.

É nesta resistência ao abandono da cultura que dá identidade ao bairro, e na sua vontade paralela de abraçar o estilo de vida americano, que Wiseman encontra a sua história. No fundo, Wiseman procura afirmar que a resistência, este lutar pelos interesses próprios, é tipicamente americana e o tecido da sociedade americana. É um regresso de Wiseman a temas anteriormente explorados nos seus melhores filmes, onde contrasta a conduta exigida pela sociedade com a rebeldia a essa formatação. Esta é uma questão já presente no seu segundo filme, High School (1968), agora apresentada noutra escala. É quando Wiseman filma as diferentes formas de resistência política, presente nos vários encontros de grupos de activistas, que este parece fornecer uma resposta para a crise que encontra. Apesar da duração excessiva (e de algumas imagens mais impressionáveis) é uma aventura recompensadora.

The Wolfpack (2015)

The Wolfpack (A Matilha, 2015) de Crystal Moselle

The Wolfpack (A Matilha, 2015) de Crystal Moselle, EUA 7/10
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A grande descoberta dos primeiros dias do festival foi The Wolfpack (A Matilha, 2015) de Crystal Moselle, exibido na sessão de abertura fora de competição. Um documentário sobre um grupo de seis irmãos que chega à adolescência sem quase nunca ter saído do apartamento em Manhattan onde vivem, e cujo único acesso ao mundo exterior é através dos filmes que vêem e que passam os dias a recriar apaixonadamente. Este documentário mostra uma das mais bizarras e fascinantes histórias dos últimos tempos, e um olhar inesperado sobre a cinefilia. Uma história surpreendente a todos níveis, para a qual muito ajuda a abordagem de Crystal Moselle, que não dá qualquer contexto à acção, excepto as próprias palavras dos diferentes irmãos.

Filhos de um pai religioso que os fechava à chave em casa, em vez de irem à escola eram ensinados pela sua mãe, e o único ponto de contacto com o mundo fora do apartamento é uma extensa colecção de filmes, através da qual constroem a sua própria mitologia de como funciona o mundo lá fora: a família é importante por causa do The Godfather (O Padrinho, 1972), a história americana é aprendida a partir de JFK (1991), etc, ou seja, todos os filmes eram para eles como documentários. É o cinema como meio de educação e ensinamento moral, como encarregado de educação. Se o cinema sempre foi uma forma de escape, torna-se aqui também como um meio de expressão, de sobrevivência perante a sua realidade mais próxima. A forma como Crystal Moselle analisa as relações familiares evoca o espanto de Grey Gardens (1975) ou Capturing the Friedmans (2003), mas o que fica desta história extraordinária é a esperança nestes irmãos na sua redenção.

Stories We Tell (2012)

Stories We Tell (2012)

o meu texto sobre Stories We Tell (2012) de Sarah Polley pode ser lido no ÀPaladeWalsh.com

Talaye Sorkh (Crimsom Gold, 2003)

Talaye sorkh (Sangue e Ouro, 2003)

o meu texto sobre Talaye sorkh (Sangue e Ouro, 2003) de Jafar Panahi pode ser lido no ÀPaladeWalsh.com