Changeling - 8/10
de Clint Eastwood
A Troca, filme com tons de thriller criminal sobre uma mãe cujo filho desaparecido é descoberto e restituído pela polícia à mãe que não acredita que esse seja o seu filho verdadeiro e a forma como a polícia tenta intimidar a personagem de Angelina Jolie a resignar-se ao seu destino, é um filme centrado numa luta solitária de uma personagem cheia de dúvidas e inseguranças próprias, temas centrais no trabalho de Eastwood . Neste caso temos uma mãe solteira numa sociedade dominada por homens e valores famíliares clássicos, um isolamento impotente da personagem principal que Eastwood evidencia ao mostrar as particularidades independentes da personagem de Jolie e o ambiente moralista que se vive em pleno anos 30 numa américa em crise.
O filme utiliza um estilo clássico, contido, contemplativo para focar a atenção na história, sem distrair com a presença de técnicas vistosas ou artifícios (sem grandes movimentos de camâra, com planos planeados e movimentos subtis estudados) e desta forma não quebrar a normal e subconsciente apropriação de um filme típico de hollywood e os seus mecanismos a que reagimos favoravelmente porque lhes estamos familarizados – este distanciamento permite dar relevo ao drama/temas e centrar a personagem de Jolie quer visualmente no centro do ecrã (reflexo do seu isolamento) quer narrativamente ao torna-la o fio condutor através do qual reagimos à acção – uma procura de empatia com o seu estado alienado de mente, uma definição clara do papel da heroína solitária que combate o sistema por parte de Eastwood.
Esta focalização permite evidenciar os temas do filme, entre os quais a dualidade das personagens envolvidas: entre as que a ajudam mesmo sem obrigação ou colocando-se elas próprias em situações difíceis (o reverendo, o advogado, o detective único polícia bom) versus os que não tem coragem para nada fazer e que pela sua omissão de acções permitem o continuar da situação (a enfermeira, o psiquiatra) ou até que agem deliberademente contra Jolie numa lógica egoista e de abuso do sistema: é notavél o contraste entre o o comportamento uni-dimensional do bad cop no capitão de polícia de Jeffrey Donovan, preocupado em salvar a sua imagem e o comportamento do único polícia decente, que decide agir mesmo a contra ordem e correndo o perigo de estar errado. Outro dos temas evidenciados é através da análise do papel da psiquiatria para corrigir desvios comportamentais à norma (também explorado em Revolutionary Road) e a percepção de como o comportamento fora da normal (não) era aceite.
O único desvio estilistico é o tom anormal da fotografia utilizado para recriar 1930, uma evocação de um imaginário preto/branco natural da época retratada (com que aliás começa o filme) com predominância de tons neutros - verdes e azuis escurecidos, ruas cinzentas, roupas pretas e brancas (uniformes e fatos), cinza dos cigarros e do seu fumo - quebrado apenas pelo vermelho dos lábios de Jolie ou de sangue.A escolha de Jolie para retratar fragiliade e independência ao mesmo tempo é interessante, especialmente tendo em conta a quebra dessa fragilidade que é mostrada numa das cenas finais, na confrontação com o possível assassino do seu filho.
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Pergunta: Não mexe muito com a câmara nos seus filmes.
Eastwood: Sim, mas você não o vê. Há movimentos muito subtis. Mas é verdade que mexo pouco a camâra. Não tenho medo de, às vezes, parar, em vez de andar à volta das coisas como nas publicidades, onde rodopiam como piões à volta dos produtos que é preciso vender. Eles são obrigados a fazer um grande espalhafato. Enquanto que eu coloco a camâra de forma a permitir ao espectador contemplar as coisas. E o plano dura até que qualquer coisa entre nele. Uma mão, por exemplo… ou então o plano eleva-se sobre alguém. Tento sempre fazer movimentos o mais discretos possível. Muitos outros, pelo contrário, preferem exagerar.
P: Mesmo se os seus filmes não o mostrem claramente, voce é um apaixonado pela técnica. Já se interessava quando era actor?
Eastwood: Quanto mais filmes se faz mais podemos ser subtis. Por outras palavras, não é preciso estar sempre a fazer planos extraordinários. Os planos mais extraordinários de John Ford foram feitos em momentos em que ele não fazia nada de particular.
P: Viu the Straight Story?
Eastwood: Vi. E gostei muito. E isso leva-nos àquilo de que falávamos. Esse filme está cheio de uma certa simplicidade. O realizador não cede a intervir de muito perto. Permite ao actor, esse velho actor, e a todos os outros, agir ao seu ritmo. Gosta-se daquelas personagens porque ficamos a conhecê-las, à medida que aparecem. Nada nos vem distrair da atenção que lhes é dada.
in “Clint Eastwood, Um Homem com Passado” - Cinemateca Portuguesa