texto retirado da cobertura ao Porto/Post/Doc 2016 publicado aqui
Bangkok Nites (Noites de Bangkok, 2016) de Katsuya Tomita - 7/10
Bangkok Nites (Noites de Bangkok, 2016) de Katsuya Tomita é um objecto complexo e fascinante, que utiliza o disfarce de filme documental para contar uma história de interligações entre personagens num universo de alienação. Os primeiros momentos do filme indicam estarmos perante uma abordagem documental em relação ao ambiente nocturno da cidade tailandesa e de um bordel em particular, com a câmara a seguir implacavelmente as personagens deste mundo. Porém, à medida que a trama narrativa avança, fica claro que estamos no domínio da ficção encenada, por muito que inspirado numa estética naturalista. Se a duração longa podia jogar contra o filme, aqui revela-se um dos seus trunfos, ao aumentar a imersão nesta compartimentação de uma realidade de assimilação lenta. Uma exposição reveladora do ambiente à volta do tal bordel resulta num desfile de personagens exóticas: de um lado as raparigas, na sua maior parte originárias das aldeias à volta de Bangkok, que são apresentadas numa espécie de tableau à disposição dos clientes; do outro lado os clientes, na sua maioria japoneses embriagados, que servem-se deste triste mercado. Mas o filme parece pouco interessado numa simples representação crua e já várias vezes repetida desta paisagem sórdida, e mais interessado numa aproximação às feridas emocionais que estas vidas de abandono acarretam.
Bangkok Nites detém-se no encontro por acaso entre duas personagens, que outrora partilharam um passado em comum importante, e agora situam-se em estados de espírito opostos: ela, Luck, a “number one girl”, na sua fase mais materialista, no seu apartamento tão luxuoso como solitário, presa à vida nocturna porque não conhece outra; ele, Ozawa, um dos primeiros clientes de Luck, um antigo soldado japonês exilado na Tailândia, num estado frugal, que por circunstâncias da vida é obrigado a sobreviver com pequenos trabalhos. Os dois passam uma noite juntos a conversar sobre tempos antigos, mesmo que agora Ozawa não tenha dinheiro para pagar o preço da companhia. Quando o filme acompanha o par numa viagem ao interior do país, e abandona as pretensões de diário da noite tailandesa e a miríade de personagens secundárias, ou seja, quando a ficção sobrepõe-se à realidade, o filme revela um olhar distinto sobre este casal desamorado. A herança do colonialismo no interior do país, as raparigas locais que sonham fugir para um destino igual ao de Luck, o confronto com um passado abandonado, ajudam a criar um ambiente misterioso e tenso, onde o tempo parece suspenso (não será acaso o agradecimento a Apichatpong Weerasethakul nos créditos), pelo menos até uma espantosa sequência (um flashback?) numa praia, que redefine o filme até aí.
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