Under The Sun (Debaixo do Sol, 2015) de Vitaly Mansky, 9/10
texto retirado da cobertura ao Porto/Post/Doc 2016 publicado aqui
В лучах Солнца – Under The Sun (Debaixo do Sol, 2015) de Vitaly Mansky é outro exemplo do legado de The Act of Killing, e aqui a recriação é permanente e dirigida pelo regime, um estratagema preferido de Estados pouco transparentes. Mansky informa logo no início com uma pequena nota que foi sempre acompanhado pelas autoridades norte-coreanas durante a sua estadia, e que desde o argumento, aos locais e até às pessoas filmadas, tudo foi imposto ao realizador – a única coisa fora do controlo é mesmo a câmara. E Mansky começa por desconstruir a realidade aparente quando mostra o que acontece entre os supostos planos, nas margens dos limites permitidos, ao revelar os diferentes takes da mesma cena e as indicações das figuras do regime às pessoas transformadas em actores (“age naturalmente, como se não estivesses num filme” ouvimos fora de campo). Uma idílica cena de um jantar abundante em família é orquestrada ao pormenor para enaltecer as virtudes da sociedade norte-coreana, mas é logo desmontada em “directo” pelo filme, com a criança a ser obrigada a repetir a mesma frase ou enaltecer a qualidade da comida.
Porém Mansky tenta também ultrapassar as barreiras que lhe são impostas ao filmar os rostos das pessoas, ao deter-se assim em pormenores que poderiam passar despercebidos não fosse o seu olhar atento: a expressão vazia das crianças na escola, o medo perante a autoridade da professora, as mãos juntas que procuram aquecer-se contra o frio na sala de aula. Nesta tentativa de aproximação Mansky parece perceber que há uma impossibilidade de chegar às pessoas que filma, impenetráveis no seu isolamento, tão distantes do mundo que conhecemos, soterradas por um terror psicológico. O filme acompanha de perto uma família representativa da sociedade norte-coreana, e a violência do alcance do regime e o medo de falhar são mais visíveis na pressão suportada pela filha do casal. Escolhida para representar a escola em mais uma celebração do seu líder, Manksy ultrapassa finalmente o problema da anestesia emocional das personagens e o manto de ocultação mantido pelo regime com o acompanhamento desolador dos nervos da criança numa cena dolorosa. Instada a distrair-se com uma memória boa para afastar os nervos, não consegue lembrar-se de nenhuma, e quando lhe pedem para cantar uma canção alegre, apenas consegue lembrar-se de uma ode a Kim Jong-un. Under the Sun é assim um brilhante exercício de desconstrução de um sistema de controlo, encoberto e subtil no seu método, e por isso ainda mais devastador.
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