fevereiro 18, 2010

El Secreto de Sus Ojos

Filmes pre-seleccionados para a lista de Oscar Melhor Filme Estrangeiro (III)
El Secreto de Sus Ojos de Juan José Campanella, Argentina 2009, 7/10
Limites da convenção

Este filme argentino tem sido considerado um possível candidato surpresa a vencer o prémio, numa repetição do que aconteceu o ano passado com “Okuribito/Departures” que beneficiou de uma divisão entre “Entre les murs” e “Vals im Bashir” e que poderá voltar a acontecer este ano com “Das Weisse Band” e “Un Prophete”, filmes aclamados pela crítica mas menos acessíveis e cujo impacto não é tão imediato como o de “El Secreto de Sus Ojos”: é um thriller sentimentalista bem executado que beneficia de perfomances estelares de todo um elenco que terá em Ricardo Darín o seu nome mais reconhecido. É uma obra que habita um espaço entre um filme que segue uma estrutura convencional e mecanismos familiares mas ao mesmo tempo explora as margens desse cinema, permitindo-se liberdades criativas e narrativas que apesar de não serem seguirem a norma também nunca se afastam demasiado para não alienar o espectador comum.

A narrativa é quebrada: começamos no presente, enquanto um oficial de justiça reformado tenta recordar-se de um caso de violação-homicídio que nunca esqueceu para escrever as suas memórias, mas vive sobretudo da construcção da história através de longos flashbacks, regressando apenas por momentos ao presente para estabelecer alguma perspectiva. É também um filme que vive da dinâmica de investigação criminal, que permite facilmente impor um ritmo ao filme para manter constantemente a atenção do espectador. O caso em questão irá dar lugar a explorar a relação do personagem principal com outras duas personagens devido ao envolvimento pessoal de todos no caso: com uma juíza de que o protagonista se enamora, e o seu assistente, um divertido bebado deprimido, relações que vão formar o fio condutor do filme e avançar com a história.

Juan Campanella é alguém com experiência a trabalhar em televisão (House, 30 Rock, Law & Order), ou seja em seguir formatos quase pré-definidos. Aqui parece utilizar essa experiência para trabalhando dentro das margens da convencionalidade conseguir muitas vezes atingir momentos de subtileza e inferir sentimentos implícitos mas que não são demasiado explicados, que não serão habituais num registo mais comercial, criando várias cenas-chaves que acabam por ser pequenos momentos inesquecíveis dentro do filme, desvios de encenação: um encontro no elevador sem troca de palavras exprime perfeitamente um sentimento de medo e impotência; uma recordação de uma noite que com a passagem do tempo ganha novos contornos; uma cena de interrogatório que poderia ser igual a tantas outras mas que toma contornos surpreendentes; e de repente um plano-sequência inacreditável que demonstra uma ambição cénica quase arrogante que não via desde “Children of Men”:
- começando com um plano aéreo de um estádio de futebol a meio de um jogo, a camâra sobrevoa o relvado e mergulha no meio dos adeptos sem cortes aparentes, pausando no meio daquela confusão controlada da massa de adeptos recriando um ambiente de jogo de futebol poucas vezes imaginado assim, e continuando, entra pelos corredores debaixo da bancada em perseguições e convulsões, atira-se de uma varanda atrás de alguém até acabar outra vez no relvado: se a sequência destoa do tom intimista do resto do filme não perturba ou parece artificialmente deslocada - contribui antes para recriar um sentimento de confusão e descontrolo momentâneo.

Não é só na direcção que o filme demonstra estar desalinhado com as convenções, mas também nas temáticas que aborda: há uma sempre presente crítica ao funcionamento da justiça e um lamento às hierarquias e burocracias que provêm das históricas tribulações políticas na Argentina nos últimos anos (o filme cobre um período de 30 anos); há um debate sobre a eficácia da pena de morte: para uma das vítimas faz mais sentido que o culpado sofra um castigo duradouro, numa declaração pouco políticamente correcta.

É portanto um filme que utiliza de forma astuta mecanismos convencionais ao mesmo tempo que explora as margens do género, baseado numa hábil construcção de tensão e identificação com as personagens, para criar uma obra de fácil empatia, com uma sequência que justifica quase por si só um visionamento.

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