Filmes pre-seleccionados para a lista de Oscar Melhor Filme Estrangeiro (II)
Samson and Delilah de Warwick Thornton, Austrália 2009, 8/10
Samson e Delilah do título são um par de jovens aborígenes australianos que o destino parece ter comprometido a dependerem um do outro. O início do filme é uma série de repetições de trivialidades diárias para ajudar a estabelecer o marasmo imposto pela pobreza da comunidade remota onde ambos vivem uma existência árida, sobrevivendo: Samson acorda, ouve música, arrasta-se até à loja local à espera de arranjar alguma comida, inala vapores de petróleo (que ajudam a esquecer a fome), adormece; Delilah acorda, trata da avó, leva-a até ao centro médico local, pinta, cozinha. É um começo desesperante no meio de um cenário triste: carros abandonados, casas decadentes, lixo e espaços estéreis, que define violentamente o esquecimento a que são remetidos estes aborígenes na sociedade australiana, deslocados do mundo que os rodeia apenas de longe.
Quando a avó de Delillah morre ela é castigada pelos outros habitantes e fica sem ninguém: num acto de luto corta o seu cabelo. Samson, irritado com o tratamento a Delilah, frustrado com a rotina diária e dormente pelo efeito dos vapores que abusa, leva Delilah para longe, atravessando a Austrália até uma cidade estranha, da qual irão conhecer pouco mais que uma ponte que utilizarão para abrigo da indiferença, num rumo indigente desajustado. Aí será ainda mais evidente o abandono a que são remetidos: definitivamente não fazem parte deste mundo. Proscritos e marginalizados, o seu futuro é negro e solitário e a sua ténue esperança parece perder o pulso tal como os seus corações, mas a sua força é a companhia do outro e por essa união passará a sua salvação e uma segunda oportunidade, porque não há mais ninguém.
É um filme de silêncios interrompidos: quase não existem diálogos, o que deixa espaço para um maior destaque dos sons ambientais e um papel mais importante para a música, que tal como para outros adolescentes funciona aqui como um escape também para estes dois: da rebelião de Samson à alienação tímida de Delilah, permite-lhes fugir por alguns momentos ao seu presente, dando origem às mais belas sequências do filme.
O filme utiliza uma mistura de longos planos fixos e de planos mais livres com a camâra ao ombro, numa composição de aproximação a um realismo desolador quebrado por liberdades poéticas, numa história de probabilidades trágicas que apresenta-nos algo que estamos a presenciar mas sem a capacidade de alterar, numa simbiose de alienação entre a situação dos personagens e do espectador em relação a eles. Uma declaração do “estado das coisas”, da brutalidade crua da realidade intercalado com fugas imaginadas pelos personagens para lutar contra o desaparecimento, para se subtraírem da sua condição.
Se em “La Teta Assustada” o isolamento da personagem principal em relação ao resto do mundo é criado através não só do retrato duro do quotidiano mas com recurso à procura de alegorias e quadros simbólicos, em "Samson and Delilah" o impacto com a realidade é de frente.
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