Filmes pre-seleccionados para a lista de Oscar Melhor Filme Estrangeiro (I)
La teta assustada (The Milk of Sorrow) de Claudia Llosa, Peru, 8/10
Sobreviver… sem alma
A personagem principal de “La Teta Assustada” passa o filme todo permanentemente assustada, receosa e desconfiada de qualquer contacto ou proximidade humana, num abraço à solidão auto-inflingido. O nome do filme tem origem numa lenda local, em que a mãe, ela própria assustada (neste caso com o período de conflito interno no Peru), passa esse medo ao filho através do leite materno, determinando deste modo o destino da personagem do filme, Fausta. A única relação dela é com a sua mãe e quando esta morre no início do filme fica ainda mais sozinha. É obrigada a procurar trabalho para pagar o funeral e enquanto não tem o dinheiro necessário o corpo da sua mãe permanece no seu quarto – mesmo depois de morta, é com ela que a frágil personagem se sente confortável e com quem se refugia. A procura de emprego leva-a para fora da sua zona de segurança, a conhecer contra vontade novas pessoas: uma compositora, que se inspira nas canções que Fausta tem por hábito trautear para se esconder da realidade, evocando historietas e contos locais; e o jardineiro que trabalha na mesma casa, que Fausta parece ver com menos desconfiança ao reparar na ternura com que ele cuida das plantas.
Mas acima de tudo, apesar da vontade de viver ela não se atreve: afinal, a sua preocupação é não ser atacada ou violada, e para isso recorre até a outra tradição local que envolve uma batata (tem que ser visto): “Onde moro, anda-se colada à parede, senão as almas podem apanhar-te e podes morrer”. Quando alguém lhe diz que só a morte é obrigatória e o resto somos nós que escolhemos, ela naturalmente responde: “E quando te violam e te matam, isso não é obrigatório”. São estradas solitárias e tortuosas as que ela percorre durante o filme, numa lógica de auto-defesa contra o mundo exterior, por entre personagens que parecem viver uma angústia demorada, insensíveis na sua maior parte à alienação de Fausta.
Da mesma forma que a personagem principal do filme procura manter distâncias em relação a todos os outros, o filme parece procurar uma abordagem distanciada, contemplando os rumos de Fausta de forma quase documental, mas ao mesmo tempo criando uma relação emocional com o seu destino, já que ela está presente em todos os quadros. Acabamos por ver o mundo através dos seus olhos assustados, num vislumbre do seu mapa emocional. De certa forma, tornamo-nos a única testemunha de Fausta, os únicos capazes de a compreender.
O filme tem durante vários momentos como cenário um noivado ou casamento: quer da sua prima que se vai casar, quer dos vários casamentos em que Fausta trabalha, sempre isolada dos retratos de felicidade artificial estrangeira que a rodeiam, sobrevivendo mesmo assim…
Conflitos revisitados
Historia íntima mas pouco surpreendente, este filme holandês que retrata uma jornada de crescimento interior poderia passar por filme americano tal são as convenções estilísticas e narrativas a que recorre. É mais uma história sobre a perda de inocência juvenil, de sobrevivência em circunstâncias extraordinárias dos tempos de guerra: um rapaz vê um avião a despenhar-se durante a noite e no dia seguinte ao caminhar pelos bosques encontra o piloto inglês escondido e decide ajuda-lo a escapar, mesmo que não saiba em quem confiar.
Não há muito mais que tensas cenas de acção e sequências de perseguição, à medida que o nosso protagonista tenta manobrar entre patrulhas alemãs e escapar à supervisão parental – há uma paranóia constante em relação aos nazis e desconfiança em relação a todos que isolam o jovem na sua missão; e confrontos geracionais, que levam o rapaz a questionar o papel do pai como colaborador que tenta à sua maneira apaziguar a opressão nazi sobre os locais e uma relação com um tio ligado à resistência, que levanta algum debate sobre as escolhas em tempos extremados: se sacrificar o orgulho e não levantar problemas, ou participar em perigosas acções de resistencia activa.
O modo como a história é filmada alterna entre momentos pessoais à procura de subtilezas nas sombras e entre momentos com resquícios de westerns e evocações de Sergio Leone, com grandes planos demorados nas faces dos actores ou slow-motions extendidos, ajudados por música orquestral que tenta atribuir grande importância dramática e construir tensão nas cenas fulcrais, na única escolha estilística de direcção, efeitos que podem parecer desajustados a tempos e que não se adequam exactamente ao tom sentimentalista da história, mas que pelo menos demostram alguma ambição cénica, que mesmo assim nunca consegue escapar das personagens unidimensionais pouco desenvolvidas e da falta de imaginação narrativa.
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