visto no Porto/Post/Doc - texto original aqui
Se Concerning Violence parece alertar para o falhanço da Europa como modelo, L’Abri (O Abrigo, 2014), o filme que vimos de seguida, parece afirmar que a Europa está morta. O filme de Fernand Melgar é um sombrio e desolador retrato da realidade de um albergue para os sem-abrigo, sob o peso das noites frias que se repetem. O filme acompanha durante vários meses um bunker em Lausanne, que funciona como um último refúgio para os migrantes perdidos, nómadas abandonados dentro da europa. Numa situação que se repete ao longo do filme, como a lotação do abrigo é limitada, há primeiro uma luta entre os que esperam por entrar para não ficarem de fora e, depois as portas que se fecham, a condenação aos que não conseguem entrar a mais uma noite ao relento – a imagem das portas fechadas e dos que ficam de fora são assombrosas, tal como a sua repetição. Na sua humanização do funcionamento burocrático do abrigo, de forma a eliminar as barreiras entre o espectador voyeur e os ocupantes do abrigo, L’Abri acompanha também o quotidiano de alguns dos trabalhadores, alguns deles também antigos imigrantes ou filhos de imigrantes. A selecção ao fim da noite nunca é pacífica, é um peso angustiante sobre os trabalhadores do abrigo, na sua tentativa de fazer o melhor com os escassos recursos que têm ao seu dispor. Se há vários sem-abrigo já demasiado marcados pela idade e pela privação, que apenas tentam sobreviver a mais um inverno, impressionam também outros que demasiado jovens, acabados de chegar a este fim-do-mundo pessoal, encontram nos mais velhos uma projecção do futuro próximo. Da mesma forma que o filme se aproxima dos trabalhadores, acompanha também de perto alguns dos migrantes, na composição de alguns retratos, como o de um casal espanhol recém-chegado à Suíça, que deixou a hipoteca para trás e que ameaça desvanecer-se aos poucos, ou o caso de um africano que procura emprego ao longo do filme, que acaba a caminhar em direcção ao desconhecido. Mas é quando a câmara de Fernand Melgar segue os que não conseguiram entrar no abrigo, pelas ruas onde acabam por procurar resguardo, que o olhar se torna ainda mais desamparado, aclamando pelo menos ao testemunho da câmara e depois do espectador, para que, ao menos, esta história não seja esquecida.
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