dezembro 30, 2014

Mga anak ng unos (Storm Children: Book One, 2014)

Mga anak ng unos (Storm Children: Book One) de Lav Diaz, 2014 Filipinas, 8/10
visto no Porto/Post/Doc - texto original aqui
Mga anak ng unos (Storm Children: Book One)
Mga anak ng unos (Storm Children: Book One, 2014) é uma proposta difícil: um filme longo, a preto e branco, com planos fixos de vários minutos onde quase não há acção ou movimento e sem diálogos: cinema mudo mas pouco silencioso. Mas se Lav Diaz, um cineasta desafiante das regras, parece aqui recusar qualquer narrativa ou até noção temporal, esta é sua proposta, para nos mostrar o rasto de destruição da passagem pelas Filipinas do supertufão Haiyan em 2013, o mais forte já registado na história, provocando a morte de cerca de 7 mil pessoas. Diaz leva-nos para o meio dos escombros, sem contexto, onde se detém a filmar as crianças enquanto estas remexem por entre o lixo e ruínas à procura de algo que se aproveite, repetindo longas sequências onde nada acontece excepto estas tarefas banais e sem sentido, testando a paciência do espectador. Mas aqui tudo acontece por uma razão, ou melhor, olhando para trás, o plano de Diaz começa a fazer sentido. Aos poucos compreendemos que é a própria presença da câmara de Diaz que dá sentido a estes gestos dos miúdos, anestesiados e repetidos, que deixados ao abandono no pós-trauma da destruição, deixam de sentir-se esquecidos para verem na presença de Diaz um aliado, uma testemunha. Depois, percebemos também gradualmente que estas longas sequências onde nada parece acontecer são, na verdade, o espelho de uma vida sem sentido, de pobreza e sofrimento – como se aquele vasculhar, aquele passar do entulho de um lado para o outro, fosse natural em qualquer contexto. E finalmente, através de uma breve entrevista a um dos miúdos, o único depoimento no filme, percebemos que o foco do filme nas crianças tem uma razão de ser: enquanto os mais novos correram para os montes para fugir da subida de águas e das ondas, os mais velhos ficaram para trás, e sobraram apenas quase as crianças para remexer nas ruínas. Um dos rapazes que perdeu a mãe e duas irmãs segue a câmara, orgulhoso por estar a participar num filme. É natural que perante isto Diaz não queira parar de filmar, como se a cura para aquela tragédia passasse pela presença de Diaz junto das crianças, e pela presença destas crianças no filme. Fica a letargia do trauma primeiro, depois a tristeza. Primeiro o silêncio, depois o recomeço.

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