agosto 12, 2011

Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives

“Facing the jungle, the hills and vales, my past lives as an animal and other beings rise up before me“

Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives / Loong Boonmee Raleuk Chat / O Tio Boonmee
de Apichatpong Weerasethakul, Tailândia 2010, 10/10

a vida fugaz
Existem filmes que parecem ser imaginados a partir de uma imagem central e "Uncle Boonmee..." é um deles, tal a força desta imagem em cima, o seu significado maior que o filme. O que vem antes, o que surge depois, é um complemento, é expandido e construído a partir dessa imagem. Uma imagem-quadro que é capaz de suspender o tempo: é isto tudo que está em causa, e é isto a solução para tudo.

"Uncle Boonmee..." continua a evolução de Apichatpong em termos temáticos e formais e é um aperfeiçoamento das escolhas estilísticas usadas para mimetizar os sentimentos aludidos durante o filme. Como nos seus filmes anteriores, o tailandês tem um método preferido: começa por desenvolver algo razoavelmente normal, mas tão aprimoradamente filmado que se afirma dessa forma pela sua beleza singular. De repente algo exógeno acontece para perturbar a calma até aí dominante. Com Tropical Malady (2004, 10/10), Apichatpong apresentou-se como uma mistura exótica do simbolismo de David Lynch com o romantismo trágico de Wong Kar Wai. Uma das obras mais fracturantes da década passada, era um brutal pas de deux, entre as duas personagens principais e entre o realizador e o espectador, uma sublime transformação lenta de um sonho para um pesadelo. Ao mesmo tempo que nos mostra um romance idílico numa Tailândia, que parece aceitar com candura uma relação homossexual embalada por estrelas de karaoke e neons dourados, com a mesma ternura com que os dois protagonistas se aceitam um ao outro. Mas um movimento rápido retira-nos do tapete confortável em que descansávamos. Um violento mas breve desejo sexual reprimido até aí leva o filme a acabar a relação num ataque de culpa, condenando um dos protagonistas a uma floresta sob o pretexto do serviço militar, floresta repleta de demónios interiores - o filme exila-se na selva e só conseguimos desejar que não volta a sair de lá. 

Syndromes and a Century (2006, 9/10) é o seu filme seguinte e é muito menos radical. A transformação-perturbação que acontece a meio do filme é muito mais subtil, contida. Aqui Apichatpong preocupa-se mais em embalar o espectador ao ritmo de ciclos budistas de reincarnação que moldam o filme. A aplicação estilística do tema assemelha-se a uma meditação sobre a tradição e dá origem a lentas repetições, possibilidades que vão confortando o espectador, preparando-o para aceitar a natural ordem cíclica. Nada é urgente, nada é inevitável logo inaceitável, tudo se repete na infinidade de destinos tangentes. Somos cuidados com a serenidade de um tempo que apenas passa por todos e não se esgota. O tempo não é uma ameaça, apenas uma outra etapa.

Em "Uncle Boonmee..." isso é algo que não acontece, desde logo porque o tempo é decrescente e há a ameaça da memória que se esvanece. Porque é uma história de um homem que está a morrer, que é visitado pelas memórias de vidas anteriores e, mais importante, que procura agarrar-se a memórias que desaparecem, antes de serem esquecidas de novo. Talvez por isso Apichatpong torna-se mais impaciente, introduz a perturbação onírica muito mais cedo. Não é que essa impaciência perturbe o modo como descobrimos a história, ou que interfira com o tempo que o realizador demora a expandir a sua visão. Os longos takes e os enquadramentos estáticos que ilustram as primeiras sequências, que nos transportam para o local remoto onde se desenrolará o filme, são a forma do realizador dar tempo ao espectador para se acomodar ao espaço que vai habitar. O som é também parte essencial pela forma como inunda lentamente a tela e reclama a descoberta do naturalismo com que Apichatpong filma uma natureza que invade. 

Boonmee, a personagem condenada a adiar a morte de diálise em diálise numa luta perdida, é amaldiçoado com visões das suas vidas anteriores. Amaldiçoado porque é uma memória proibida, que não deveria ser possível, que vai perturbar a calma com que se resignou ao seu destino, porque para ele a morte é inevitável mas não é um fim, antes um recomeço. No fim da primeira sequência do filme, no escuro da selva, uma figura misteriosa destaca-se da escuridão num olhar hipnotizante e a sua presença fica por explicar. Pouco depois essa figura volta a aparecer como uma de duas "entidades" que visitam Boonmee num jantar em sua casa, mesa onde se vai expor a mitologia que vai servir o filme, que vai permitir a Apichatpong expandir a sua metáfora.

As duas entidades são a mulher, falecida, que regressa como um fantasma que se materializa lentamente à frente de Boonmee, e o seu filho desaparecido, dado como morto, que regressa como um animal-monstro revelado ao sair da escuridão. A aparição de ambos deixa Boonmee feliz, pelas recordações que lhe trazem, mas carregam consigo uma mensagem simbólica. O filho revela que se transformou numa criatura condenada a pagar o peso dos seus pecados, num estado parado, impedido de reincarnar na salvação de uma vida diferente, porque o seu karma não o permite. É o peso do passado perdido. A mulher aparece para confortar Boonmee na hora próxima da sua morte, mas também para lhe mostrar que entretanto o espírito dela atingiu o estado de nirvana, logo que ela não voltará a reencarnar. Esta última constatação é o início do fim para Boonmee, embora não seja imediata a sua resolução (com Apichatpong nunca é). Boonmee acredita, sabe, que ainda não estará pronto para o mesmo estado de graça que a sua mulher atingiu - é recompensa só para quem teve uma boa vida. Boonmee sabe que não é o seu caso, que "matou demasiados comunistas", envolvido nas operações militares no norte da Tailândia, que não fez o suficiente para se redimir.

A mulher apresenta-se não só para ajudar Boonmee a recordar as suas vidas anteriores, mas também para uma lenta despedida. É um longo abraço que é estendido ao longo do tempo do filme até culminar na imagem em cima, súmula de toda uma relação no seu adeus - primeiro grande momento do filme. Boonmee sabe que quando morrer não terá a memória das vidas passadas, sabe que perderá não só a possibilidade de encontrar o seu amor, mas também qualquer memória que ele existiu. A tragédia é a aparição da mulher de Boonmee ajudá-lo não só a reviver memórias anteriores, a recordar possibilidades antigas em que as suas vidas se foram acompanhando em repetição durante tanto tempo, mas também ajudá-lo a compreender, na altura em que essas memórias se tornam mais valiosas, quão esguias elas se tornam, e quão falta de tempo lhe resta. Toda essa angústia é resumida por Boonmee quando diz à mulher durante esse abraço: "não sei como te encontrar depois de morrer".


"I believed in reincarnation for a certain period—while making this film. And afterwards, I stopped. It’s such a fascinating idea, and it’s linked to cinema as well, through the idea of memory, which is something I explore in all my movies. It’s something that can tell a lot about our lives—if we can remember our past lives." - Apichatpong

A calma da aceitação da morte e a serenidade da espera pela próxima vida extinguem-se lentamente em Boonmee à medida que cresce o sentimento de perda, como uma azia que arde. É o segundo momento forte de Apichatpong no filme, quando substitui a imperturbabilidade dos planos estáticos e contemplativos, por uma sequência de câmara assustada. O medo ocupa o campo de visão à medida que Boonmee se desloca em estado terminal para uma gruta, numa viagem simbólica. Apichatpong simetriza as imagens em perfeita sintonia com os sentimentos. É nesta descida, ao local onde Boonmee irá morrer, que a incerteza da espera pela morte dá lugar à sua inevitabilidade, e que a certeza da renovação dá lugar à incerteza do destino. Com os sussurros misteriosos e angustiantes que se ouvem mas não se localizam, apaga-se a luz que até aí iluminava o filme e o escuro reduz efectivamente o espaço disponível e enclausura Boonmee na dúvida. É como se Apichatpong reflectisse na história as suas próprias dúvidas e de repente a questão fosse não apenas o abandono da memória, mas o aparecimento da própria mortalidade. É o próprio Homem que fica em causa.

A aceitação da mortalidade nestes termos arrasta consigo a inutilidade da vida, a insignificância individual ("mas afinal o universo nem sabe que existimos, o universo não saberá que Homero escreveu a Odisseia" - Saramago) e por isso se vê o resto do universo no céu daquela gruta. Naquela cave da sua morte onde brilham estrelas impossíveis no tecto, a tristeza que desagua no filme é o sangue que Boonme derrama à medida que a vida escoa para fora dele. É o acto final desta história, a tragédia fica implantada e Apichatpong livre para concluir o filme com sequências puramente metafóricas, sobre tentativas de reter a memória e o tempo. Uma vez estabelecida a ideia de mortalidade, a seguir confronta-se o conceito de memória. Tal como Tarkovsky o faz em Zerkalo (O Espelho, 1975), onde usa um labirinto de recordações, quer delirantes quer exactas, para criar um mural a que vamos voltando para rever os pequenos fragmentos que o compõem, à procura de dar significado ao todo a partir dessas pequenas partes. Tarkovsky explora a fronteira entre o que fica para trás e a delimitação a que a vida é confinada, a dificuldade em esquecer o efémero e a temporalidade do que queremos reter. Já Antonioni questionava com Blow-Up (1966) o valor e a verdade da imagem capturada, até chegar à derrota assumida na incapacidade de capturar o passado, e ao romantismo dessa futilidade. Blow-Up é também sobre a importância da percepção individual, sobre o mosaico de imagens que compõem a vida de cada um e a singularidade da solidão humana. Estes aspectos e a necessidade de ligar o desconexo das memórias parecem interessar a Apichatpong, com influência nas sequências a seguir à gruta.


A sequência na gruta é encaixada entre outras duas mais simbólicas. Primeiro, um sonho febril, alucinação do que poderia ter sido um encontro anterior entre Boonmee e a sua mulher, é a representação desfocada do passado - a famosa cena do peixe falante. Depois, e mais importante, outro sonho, contado através de fotografias, polaroids do tempo. Uma visão do que poderia ser o futuro, mas acima de tudo uma divagação sobre a tentativa de agarrar imagens como memórias, sobre a percepção humana de que não conseguiremos repetir memórias ou iguala-las, e a "maldição" de que estarão sempre presentes. São como um vislumbre dos pequenos momentos que já passaram, perfeitos mas fugazes - um fim de tarde na relva do jardim preferido ou um pequeno-almoço partilhado - entre restos de dias vulgares e a consciência dessa lembrança, que torna os dias ainda mais vulgares. Ao deambular pela noção de memórias, da impossibilidade de segurar o que é demasiado efémero, paralelo à consciência da sua existência, "Uncle Boonmee..." não é só sobre recordar essa perda, mas também sobre tudo o que não vivemos, sobre todas as possibilidades ultrapassadas, sobre a solidão da memória, sobre a vida fugaz.

É com essa ideia que abordamos as imagens finais do filme, em que o monge se despoja das suas vestes tradicionais e se divide em dois. Vem à memória a primeira sequência do filme, em que um búfalo se solta das suas amarras e deambula pela floresta durante largos momentos, para depois se deixar capturar e regressar calmamente ao cativeiro. Terá esquecido a razão porque tentou fugir ou terá esquecido o significado da liberdade? Será a libertação o que o monge procura ou será incapaz de escapar ao seu cativeiro? Afinal ao abandonar o escapismo do filme e o seu misticismo, voltamos nós à realidade. E afinal, o filme lembra-nos o perigo de nos anularmos, de nos esquecermos.

julho 07, 2011

mini-guia para Festival Curtas Metragens 2011

Há um pouco de tudo no programa do Festival de Curtas Metragens de Vila do Conde de 2011, mas essencialmente muito a ver. Há uma retrospectiva dos filmes de Corneliu Porumboiu (com a presença do realizador), cineasta que se insere na nova corrente romena (próximo de "A Morte do Sr. Lazarescu)", com uma interpretação própria. O humor seco e cáustico é o escape possível face a situações demasiado deprimentes para serem levadas a sério, demasiado absurdas para serem enfrentadas sem a percepção do rídiculo. O seu filme anterior, "A Este de Bucareste", é uma fabulosa comédia lo-fi que antes de ser comédia nos deixa com o desespero da realidade e a perguntar porque é que nos estamos a rir - 17 anos depois da queda da ditadura de Ceausescu um grupo de pessoas debate se houve realmente ou não uma revolução, já que tudo continua na mesma. No programa do festival encontramos ainda vários filmes-concerto, com Arto Lindsay e Jun Miyake, Legendary Tigerman e Rita Redshoes, Galla Drop e The Secret Museum of Mankind. E podemos ver curtas-metragens inéditas de realizadores como Pedro Costa, Manoel de Oliveira, Spike Jonze, Harmony Korine, Louis Garrel. E isto tudo paralelo às secções de competição internacional e nacional.


programa completo: http://www.curtasmetragens.pt/festival/

Sábado 9
21h30 (Sala 1): Politist, adjectiv de Corneliu Porumboiu, Roménia - trailer
23h30 (Sala 1): Filme-Concerto de Legendary Tigerman + Rita Redshoes - Estrada de Palha de Rodrigo Areias, Portugal - trailer

Domingo 10
17h00 (Sala 1): 12:08 A Este de Bucareste de Corneliu Porumboiu, Roménia - trailer
18h30 (Sala 2): Corneliu Porumboiu In Focus (3 curtas metragens)
21h30 (Sala 1): The Sound of Noise de Johannes Starjne Nilsson e Ola Simonsson, Suécia (vencedor Young Critics Award em Cannes 2010) - trailer1, trailer2

Segunda 11
15h00 (Sala 2): Corneliu Porumboiu - Debate com João Lopes
18h30 (Sala 2): Competição Internacional 9 (inclui curta de Harmony Korine)
21h30 (Sala 1): Competição Internacional 1 (inclui Summer Snapshot)
23h00 (Sala 1): Panorama Nacional 2 (inclui curtas de João Pedro Rodrigues, Manoel de Oliveira)

Terça 12
21h30 (Sala 1): Competição Internacional 2 (inclui curta de Louis Garrel)
22h00 (Sala 2): Concerto/Performance de The Secret Museum of Mankind, de Mariana Ricardo e João Nicolau
23h45 (Sala 2) Competição Internacional 4 (inclui Scenes from the Suburbs de Spike Jonze)

Quarta 13
20h00 (Sala 2): Competição Nacional 1
21h30 (Sala 1): Competição Internacional 4 (inclui Scenes from the Suburbs de Spike Jonze)
23h00 (Sala 1): Competição Nacional 2 (inclui "A Divisão Social do Trabalho Segundo Adam Smith")

Quinta 14
21h30 (Sala 1): Competição Internacional 6
23h00 (Sala 1): Competição Nacional 3 (inclui curta de Pedro Costa)
00h30 (Sala 1): Filme-Concerto: Gala Drop (com filmes de Pierre Clémenti)

Sexta 15
21h30 (Sala 1): Competição Internacional 8
23h00 (Sala 1): Competição Nacional 4
00h30 (Sala 1): Filme-Concerto de Arto Lindsay + Jun Miyake (com filmes de Pierre Clémenti)

Sábado 16
17h00 (Sala 1): Competição Internacional 9 (inclui curta de Harmony Korine)
21h00 (Sala 1): Fight For Your Right Revisited de Adam Yauch (Beastie Boys)
00h30 (Sala 1): Stereo Filme-Concerto: Beatbombers (DJ Ride e Stereossauro)

Domingo 17
21h30 e 23h00 (Sala 1): Filmes Premiados

junho 14, 2011

Junkie Awards 2010

sem grandes enfeites, porque já tarda mas o que conta é deixar algo para memória futura:

Melhor Documentário 2010:
1. The Cove de Louie Psihoyos - EUA
2. Inside Job de Charles Ferguson - EUA
3. José e Pilar de Miguel Gonçalves Mendes - Portugal
4. Fantasia Lusitana de João Canijo - Portugal
5. Ruínas de Manuel Mozos - Portugal

Menção Honrosa:
Nothing Personal de Urszula Antoniak - Holanda/Irlanda
The Messenger de Oren Moverman - EUA
The Road de John Hillcoat - EUA
Fair Game de Doug Liman - EUA
Madeo de de Bong Joon-ho - Coreia do Sul
Go Get Some Rosemary de Ben Safdie e Joshua Safdie - EUA
Io Sono l'Amore de Luca Guadagnino - Itália
La Teta Asustada de Claudia Llosa - Peru
Lola de Brillante Mendoza - Filipinas

top2010:
10. Alle Anderen (Everyone Else) de Maren Ade - Alemanha - trailer

Uma biópsia à relação de um casal alemão sob o pretexto de filmar as suas férias, grava, contudo, as suas feridas. Neste retrato seco e árido, as personagens deambulam desamparadas, à espera do conforto, do apoio mútuo mas não raras vezes ressaltam para um jogo egoísta de manipulação sentimental, de afirmação sobre o outro. Manobrando-se entre o tão surreal que não faz sentido, e entre o tão real que não pode fazer sentido, o espaço vazio afigura-se claustrofóbico e o espaço estreito confortável. Maren Ade socorre-se da geografia emocional e deixa sobretudo um aviso: é preciso continuar a respirar para sobreviver.

9. Fish Tank de Andrea Arnold - Reino Unido - trailer

Em Fish Tank parecemos voyeurs de um aquário verdadeiro, tal é a forma como as personagens do filme vivem num mundo fechado, prestes a transbordar sobre si mesmas. É um retrato enternecedor de uma rapariga que tem de aprender a defender-se cedo contra o resto do mundo, mas é também uma parábola sobre as prisões sociais que nos enclausuram. Encostados à parede, estas personagens, quase reduzidos a animais, ofegam, pairam perigosamente à volta de sentimentos primários, sexo, violência, gratificação, confronto, isolação. Andrea Arnold filma com uma fúria claustrofóbica esta história que tanto quer ganhar calo para se proteger, que acaba por se tornar ainda mais vulnerável, com as feridas mais expostas.

8. The Ghost Writer de Roman Polanski - França/Inglaterra - trailer

Um thriller pensante e inteligentemente sóbrio, o filme de Polanski transparece em toda a sua causticidade uma amarga crítica política, antecipando o isolamento do realizador. É acima de tudo eficaz e aprimorado na sua construção, suportado pela credibilidade de uma ficção mais tangente à realidade do que à fantasia, numa subversão da presunção natural de inocência. Polanski joga com convenções e expectativas, deixa-nos apenas as entrelinhas por preencher com a nossa paranóia colectiva mas depois não nos mostra o que estamos à espera, como o brilhante final em suspenso, que consegue superar o início misterioso do filme: deixa de haver espaço para não se confirmar o que a nossa imaginação temia.

7. 24 City de Jia Zhang-ke - China - trailer

Numa ficção disfarçada de documentário, Zhang encontra a fronteira necessária para evoluir o seu estilo visual minimalista e de circulação à realidade. Enquanto questiona a legitimidade emocional de um discurso filmado, consegue ao mesmo tempo criar segmentos sentidos e explorar as razões de uma reacção colada aos valores associados a um documentário. Através de depoimentos fabricados como banda-sonora para desoladoras paisagens reais de uma China industrial, que abandona valores humanistas, Zhang filma personagens fictícias mas substitutos próximos de pessoas anónimas, que não poderiam aparecer se isto fosse um documentário real. Zhang continua a dedicar-se aos esquecidos de uma China profunda, dando voz de forma artificial a assuntos reais e a pessoas silenciadas.

6. Antichrist de Lars von Trier - Dinamarca - trailer

Mesmo exibindo provocação e artificialidade por todos os poros, Antichrist consegue arranhar. Não deixa de ser uma construção magnífica, mesmo que von Trier opte por uma estilização exagerada, que pode parecer quase desnecessária ou despropositada mas que no fundo é perfeitamente adequada ao objectivo e tema abordados. Uma autópsia cruel a uma relação entre um casal que se retira para um bosque para se auto-examinar e que acaba por se violentar (e ao espectador). Tanto é um exorcismo mental sem misericórdia e manipulativo da parte de von Trier, como é incapaz de ser apenas uma provocação óbvia, sem se extravasar para um estudo abrasivo da (in)sanidade mental pelas diferentes camadas que cinzela - é uma análise psiquiátrica das personagens, mas também um espelho para o espectador. Trier continua a puxar os cordelinhos e deixamo-nos ir, para tentar ainda sentir alguma coisa.

5. Copie Conforme de Abbas Kiarostami - França/Itália - trailer

Depois do experimentalismo conceptual de Ten, Five e Shirin Kiarostami regressa a uma narrativa mais tradicional mas o resultado não é exactamente convencional. Nesta história por entre uma Itália rural convidativa à melancolia, seguimos um casal, ou uma cópia de um casal, numa discussão, ou numa cópia de discussão e vemos reflexões de outras pessoas e reflexos em nós. É um jogo de pistas subtis entre personagens e com o espectador, de recriações e cópias, jogo de sedução ou recriação de um jogo de sedução reflectido em espelhos, reflexos de filmes já passados? O importante é não perder a beleza tranquila das paisagens, dos enquadramentos, das palavras, da intimidade. Kiarostami começa por teorizar sobre o valor das coisas (a questão da cópia), para reafirmar: "I think it was Godard who said that life is nothing but a bad copy of film".

4. Lebanon de Samuel Maoz - Israel - trailer

É um filme-experiência claustrofóbico, de imersão sensória total na desorientação própria de um cenário estranho de uma guerra estranha. Durante noventa minutos somos cativos do filme dentro de um tanque israelita junto com os seus quatro habitantes nas primeiras horas da guerra do Líbano em 1982. Baseado no próprio passado cicatrizado de Maoz, é um desafiar constante à moralidade do espectador. Mais do que uma qualquer ruminação como procura de sentido profundo sobre a psicologia dos soldados, o filme funciona melhor como pequena alegoria da situação extrema de guerra retratada como representativo da (não) reacção humana frente a adversidade.

3. Wendy and Lucy de Kelly Reichardt - EUA - trailer

A fragilidade absoluta com que Reichardt embala a personagem principal do filme, o desprovimento minimalista com que filma e circunda Wendy, transfigura este filme no mais sincero apelo emotivo deste ano à empatia. Eliminando as barreiras artificiais de um cinema convencional, perde-se a rede de segurança entre o espectador e a história, e o espaço que habita Wendy pressagia quebrar-se várias vezes, numa nudez de artefactos muito próxima dos belgas Dardenne (e muito próximo de "Rosetta"). Sem truques, a responsabilidade fica toda na personagem, na simples história (uma rapariga pobre em fuga tenta reunir dinheiro para recuperar a sua cadela apreendida) e o impacto visceral que uma contagem decrescente traz consigo, que ameaça deixar-nos com pouco.

2. Kynodontas (Canino) de Giorgos Lanthimos - Grécia - trailer

“Parents are the bones on which children cut their teeth”. Kynodontas é uma demolição piso a piso das fundações da família, numa subversão tangente ao cinema surreal de crítica social de Buñuel. Neste filme-conceito desafia-se a linguagem estabelecida, dando-lhe novo contexto e tornando a linguagem parte integrante da subversão, com uma tentativa sincera mas animal de arrancar novos significados. Esta história de um casal que esconde os filhos do exterior numa casa cercada por palavras, é também uma parábola política do isolamento de uma Grécia virada para dentro, que se auto-exila forçadamente do resto do mundo, entregue a si mesma. Fecha-se por um caminho vulcâneo de auto-destruição, alimenta-se de uma sexualidade reprimida e ao entrever uma possibilidade de saída derrama num final maravilhosamente pessimista, de tirar o fôlego.

1. Das Weisse Band (O Laço Branco) de Michael Haneke - Alemanha/Áustria - trailer

Haneke já tinha tentado em Caché explorar as margens da normalidade para deixar crescer lentamente um sentimento de mal-estar que se vai apropriando dessa normalidade, como uma infecção escondida. Agora em Das Weisse Band utiliza um classicismo formal inexorável para subverter lentamente algo que nos é familiar e seguro, como a normalidade conservadora rural, para transformar essa segurança com a intrusão do mal. É um estudo Bergmaniano (austero, cáustico) sobre a origem do mal, do próprio conceito e dos alicerces (neste caso, a família rural) e a passividade que permitem esse mal alastrar e tornar-se em algo que já não é possível extraditar depois de já ter contagiado as fundações da sociedade, tão contagiada que o mal se torna parte integrante. Tal como Kynodontas, é uma desconstrução da família como espaço para manipulação sentimental e tal como em Kynodontas as palavras-chave são repressão emocional. Os sentimentos vão acumulando-se por dentro, fechados em ebulição. Se em Kynodontas assistimos às repercussões da explosão do que foi entretanto reprimido no interior e oprimido pelo exterior, em Das Weisse Band continua tudo fechado dentro de portas e as consequências perigosas desta supressão só acontecerão anos mais tarde, já depois da janela do filme. É o perigo, a possibilidade de não fazer nada, de não fazer o suficiente.

maio 20, 2011

News from Home (1977)

News from Home, de Chantal Akerman, 1977, 10/10


Todas estas pessoas desaparecem. Todos aqueles sonhos (planos) desapareceram incompletos, inacabados. Tal como as torres do World Trade Center que dominam as imagens finais do filme, em que abandonamos Nova Iorque à sua alienação orgulhosa, as pessoas que desaparecem e são substituídas por outras são o centro de um filme nas margens. Chantal Akerman filma fragmentos desconexos de uma cidade desintegrada, paisagens como partes de uma insofrível "rat race" infindável, preenchida apenas por trivialidades necessárias à sobrevivência que nos apagam lentamente.

São testemunhos da passagem de pessoas pela cidade que é testemunha própria da massa anónima de pessoas que vão passando por Nova Iorque e que ainda haverão de passar, sem deixar marca, em permanente circulação para lado algum. A camâra é fixa, sempre fixa, ou numa rua suja e quase deserta, ou a espreitar uma cozinha escurecida de um restaurante ou no metro entre paragens indistintas com multidões que se esvaziam - são as formas de Akerman tentar encontrar algo através das pessoas, algo além da cavernosa solidão que transparece dessas multidões. Akerman parece querer mostrar que uma metrópole como Nova Iorque é um gigante com cavidades no coração - as pessoas. O resultado são enquadramentos com qualidades hopperianas que aludem à tristeza nostálgica de que fala Alain de Botton ("On Seeing and Noticing"). Ao longo do filme vamos ouvindo as cartas da mãe de Akerman, que se sucedem como as pessoas na rua sem nenhum significado especial, banalidades na sua essência própria da vida. Estamos em 1977 e há uma crise económica, Akerman salta de emprego em emprego para sustentar a sua arte, a mãe queixa-se da saúde e das pessoas, a vida é difícil. Nova Iorque está vazia.

maio 08, 2011

Pina (3D)

Pina de Wim Wenders, Alemanha/França 2011, 9/10
nomeado para Oscar Melhor Documentário 2012


Transferir a linguagem de Pina Bausch para o cinema foi o desafio de Wenders ao celebrar o trabalho da famosa coreógrafa. Quando nos referimos a Pina estamos a falar de alguém que trabalhou uma nova forma de linguagem - linguagem quase tangente ao cinema, ou pelo menos com ambições de extravasar as dimensões do palco. Era portanto obrigatório ultrapassar as limitações da simples recriação, e o problema não era só como capturar as peças de Bausch sem se tornar num mero registo anónimo, mas como fazer justiça à sua obra e à sua intemporalidade - inovar tal como Pina sempre fazia e conseguir que as suas peças atingissem o especator num total envolvimento. Mesmo com a participação de Pina Bausch, o projecto desenvolveu-se lentamente durante vários anos, numa colaboração que se apresentava de difícil concretização. Faltava dimensão, o mais importante, faltava descobrir como encenar a encenação sem ser demasiado teatral. Só com o aperfeiçoamento da técnica 3D é que isso acabaria por se tornar possível, mas tristemente, Pina acabaria por morrer dias antes de se iniciarem as filmagens. Foi necessário que Wenders, agora sozinho na sua visão, desse um novo rumo ao projecto, e o resultado é uma belíssima homenagem à obra e legado de Pina, e à influência que ela deixa sobre os interpretes da sua visão, sobre os que lhe chegaram mais perto.

O filme começa por jogar com a percepção do palco, com a falsidade da representação desse palco no cinema, ao sentar-nos num teatro com algumas filas de espectadores à nossa frente, como se estivessemos num teatro verdadeiro. Mas é ao passar, literalmente, para o lado de lá da cortina, com a chegada dos bailarinos, que entramos no filme, percebendo as possibilidades que Wenders quer oferecer. As peças apresentadas, que formam a linha narrativa do filme, são também as personagens principais do filme, já que os bailarinos se tornam anónimos, dissolvem-se na massa de corpos que suportam as peças, apesar dos breves depoimentos de cada um em que partilham as suas experiências com Pina. A própria Pina aparece por breves momentos em ensaios, não como figura central do filme, já que esse protagonismo é atribuido à sua obra. Da mesma forma que, através da exposição do seu método de trabalho, percebemos como Pina levava as pessoas a procurar e encontrar a sua obra a partir de si mesmos, não a partir dela.

O fôlego torna-se intermitente com a sucessão de números de dança, desde o inicial Rite of Spring, em que grupos separados de mulheres e homens se comportam como matilhas, num palco de terra batida, passando por Café Müller, onde bailarinas de olhos fechados criam caminhos entre cadeiras diligentemente desviadas por um homem. Estas peças icónicas da sua carreira (e da história da dança contemporânea) são apresentadas de modo envolvente, mesmo para quem não é conhecedor da matéria. É a habitação do espaço físico e a forma como é ocupado, raramente conseguida antes, que permite o filme ousar aproximar-se dos movimentos trabalhados dos bailarinos e replicar o sentimento de assistir a um espectáculo ao vivo.

É também quando Wenders transporta a acção para fora do seu habitat normal, que o filme se transfigura, é a forma de Wenders acrescentar a sua re-imaginação de contexto ao material de Pina. Ao colocar os bailarinos em cenários naturais à volta de Wuppertal, a cidade que Pina adoptou como ponto inicial de inspiração, somos presenteados não só com exteriores magníficos, mas com uma re-interpretação, uma re-visualização das peças, livres para se expandirem, para fugirem ao casulo do palco, não só através do 3D.

Com o filme, Wenders atinge o que se propunha e algo mais: um reinventar de possibilidades do cinema em capturar o que acontece em palco e transbordar isso para algo mais; um redescobrimento do trabalho de Pina Bausch, pela forma como lhe concede novo contexto, levando-o também a um novo público, que não teve a hipótese de o ver ao vivo; e uma renovação pessoal, já que encontra aqui o veículo perfeito para a continuação do seu cinema cerebral-sentimental. Há ainda tempo no final do filme para, depois de termos ouvido Jobim e Caetano Veloso, sermos presenteados com uma última dança de Pina ao som de um fado, que é a melhor conclusão que se poderia pedir, para guardar isto perto de nós.

março 24, 2011

Cinematografia


"In the original script there was no such ending. From the very beginning we were thinking of how to end this film, how to find this image that would just close the whole story. It was Roman’s idea, two weeks before we were supposed to shoot that scene. We wanted an evening, magic hour shot, mysterious and dark. And we didn’t want to show, we wanted to suggest that something dramatic may have happened. We took two or three takes and the last take was the best."

–Pawel Edelman, cinematógrafo de "The Ghost Writer"



"John Hillcoat, from the beginning, was very confidant in me. I could work with a lot of freedom. This shot was an improvisation. It wasn’t planned. The movie doesn’t have too many interior scenes and this was something we discovered right there on the set. Most of the movie wasn’t storyboarded and we were really glad that this was a shot that could show like a shadow without a specific shape that is being erased and it reflects the character and what he’s feeling at that moment and accentuates the drama. The water is, in a sense, erasing the past. I think it’s a really powerful moment in the story."

–Javier Aguirresarobe, cinematógrafo de "The Road"



"It’s very informational in a lot of ways.  It’s kind of a symbolic image as well, which I think gives it its strength.  The obvious thing was to show this from above to give this kind of web surrounding him, which I think is metaphorical for his position, but also the moment of ecstasy at the center of this thing, it’s like he’s caught in a spider’s web.  And it’s almost like an impossible place to be, so I think it’s a little bit mystical as an image.  You wouldn’t get yourself in the center of such danger, but that was obviously the character.  He was prepared to do that, which made him different to the other guys, and I think ultimately that’s what the film’s about."

– Barry Ackroyd, cinematógrafo de "The Hurt Locker"



"The first time I spoke to Darren, it was very clear that the inspiration for the visuals of the film was in the work of the Dardenne brothers, who directed “Rosetta” and “L’Enfant.”  That first shot was going to be much more complicated, a low, hand-held tracking shot that was going to move in on Mickey and turn around and start to discover his face.  We tried it and Darren decided it was much too complicated.  We decided to leave the camera in the back of the room with Mickey very small in the frame with his back to us and I think that right away it established the isolation of the character."

– Maryse Alberti, cinematógrafa de "The Wrestler"



"This shot can be seen as a compressed example of how we tried to treat the story throughout the film.  It pretty much followed the ideas Tomas and I had about how to show cruelty, action and supernatural elements and where to put focus.  We wanted to be close on Oscar and the way he experiences the situation, as well as have a platform to tell everything that happens in one shot.  I am not sure if it is the most “pretty” frame of the film, but it was very exciting to try to unravel and solve the puzzle of all present elements in this shot, technically, as well as emotionally.  I am very proud of Tomas and the way he dared to go with a climax that is so violent, but restrained and subtle at the same time."

– Hoyte Van Hoytema, cinematógrafo de "Let the Right One In"

* depoimentos recolhidos por incontention.com

março 10, 2011

O Vazio em Ozu



"O Vazio em Ozu": filme-concerto de kanukanakina (som) & cinemajunkie (imagem)

Sábado 12 de Março, 22h30 em Viana do Castelo, na AISCA - Associação de Intervenção Social, Cultural e Artística. (evento)

É um filme-concerto, uma performance musical de sonoplastia construída sobre uma projecção de imagens editadas a partir de filmes de Yasujiro Ozu (e outros realizadores japoneses). É também uma tentativa de encontrar uma linha narrativa na evolução das imagens do cinema japonês e da própria sociedade japonesa, e o papel de Ozu em revelar tudo isso numa viagem ao Japão através do seu cinema. Ozu é um dos mestres originais do cinema, que conseguiu desenvolver uma linguagem cinemática muito própria que é ao mesmo tempo moderna e primordial, que está presente em qualquer filme saído de Hollywood por estes dias. Foi essa linguagem, essa utilização das imagens para contar uma história que marcou o cinema japonês no período que a sua carreira atravessou, um estilo contemplativo que se extravasou para os seus contemporâneos no Japão: quer sendo apropriado por outros realizadores, quer provocando reacções para procurar uma linguagem alternativa (como Kurosawa ou Suzuki), ninguém era indiferente à importância do trabalho de Ozu.

Mu / 無 é o simbolo japonês que encontra tradução no conceito de vazio, nulo, e que Ozu adoptou como seu - é um conceito que paira sob toda a sua carreira e sob toda esta projecção. Diz-se de Ozu que filmou sempre o mesmo filme, com ligeiras variações e que nessas variações ínfimas podíamos observar a evolução da própria sociedade japonesa, das alterações nos seus costumes. Ozu observava inexoravelmente o núcleo familiar, as relações entre pais e filhos e a dicotomia tradição versus progresso. Os filmes de Ozu tentavam acompanhar as mudanças que marcavam a sociedade japonesa, desde a depressão económica dos anos 30 à recuperação do pós-guerra e consequente estabilidade e prosperidade. Com esta projecção pretendemos oferecer uma oportunidade de descobrir o início do seu trabalho que atravessou três décadas - desde os filmes mudos do início dos anos 30 à introdução das cores no final dos anos 50 -  e a construção de uma linguagem que se tornou um alicerce para o cinema actual.  Este caminho seguido de forma cronológica permite-nos ver não só a evolução do seu trabalho mas também a influência que teve junto de outros realizadores japoneses. Os ritmos de Ozu são repetidos, são sombrios, quase mecânicos - e aqui são investigados, amplificados, na procura do vazio que Ozu carregava consigo, até chegar à imagem final.

http://o-vazio-em-ozu.blogspot.com/
http://www.aisca.pt

março 03, 2011

Óscares no Ípsilon (ii)



the geeks are all right

Foi uma noite entretida na redacção do Público, a noite dos Óscares. Na companhia da equipa do Ipsílon e do outro vencedor do passatempo, João Lameira, o ambiente era descontraído quanto baste, mas havia sempre algo a acontecer (e os white russians ajudaram). Como oportunidade imperdível para assistir ao funcionamento da redacção de um jornal como o Público, era díficil não perder o olhar no trabalho coordenado de uma equipa dedicada a cobrir o evento em tempo real, entre Vasco Câmara como editor, Jorge Mourinha a moderar a discussão online ou os comentários de Luís Miguel Oliveira. O debate que se podia seguir no webchat extravasa muitas vezes para a redacção: Câmara escrevia que Nolan é um Danny Boyle novo-rico, Mourinha soltava uma gargalhada alta, trocavam-se algumas palavras sobre o Slumdog e o Inception, e Oliveira refugiava-se num comentário sobre o Crash ou o Blue Velvet (outros comentários da noite dignos de nota: "Winter's Bone" vem de "Deliverance", Bjork e Celine Dion são equivalentes). As maiores reacções, além das partilhadas e recorrentes admirações para com os comentadores da TVI, ainda foram para a vitória de Christian Bale e especialmente para a vitória de Tom Hooper, ou melhor para a derrota de Fincher. Se havia alguma resignação em relação ao triunfo de King's Speech, também era aceite e esperado o triunfo de Fincher como melhor realizador, opinião que reunia algum consenso na redacção (mesmo chegando-se à conclusão que "The Social Network" era pouco mais que música e argumento). Aliás, havia algum consenso entre os presentes sobre Black Swan ser o filme-candidato mais meritório, e algum menosprezo em relação a "King's Speech" e "The Kids are all right". O melhor comentário foi mesmo para o reservado LMO que face ao prémio de melhor realizador escreveu apenas "Tom Hooper, lol", é claro, sem um esboço de sorriso.

Tudo isto contribuiu para animar uma noite que acabou por ser retrogradamente saudosa, no que foi mesmo uma das cerimonias menos interessantes dos últimos tempos. Os Óscares não são apenas uma feira de vaidades e uma celebração de filmes comerciais, são importantes pela exposição que dão a filmes menos conhecidos que ficariam confinados às margens, e são importantes para medir as tendências de Hollywood (por muito conservadoras que sejam). Muito distante das cerimónias dos últimos anos em que distribuiram prémios e nomeações por vários filmes independentes ("No Country for Old Men", "There Will Be Blood",  "Into the Wild", "Michael Clayton", apenas em 2009; para não falar do ano passado, provavelmente os melhores Óscares dos últimos tempos), este ano o bom caminho que ia sendo seguido foi interrompido. A cerimónia foi quase apática, insípida e não ficará para a história, aliás como a maioria dos filmes nomeados, filmes de que a cerimónia é um reflexo. O conjunto de filmes destacados este ano eram seguros na sua maioria, apolíticos, tal como a cerimónia. O único momento fora da zona de conforto foi mesmo a vitória de Inside Job como melhor documentário e o discurso que se seguiu. Lembrou bem Charles Ferguson: "I must start by pointing out that three years after our horrific financial crisis caused by massive fraud, not a single financial executive has gone to jail, and that's wrong." (mesmo assim esta vitória impediu a celebração do filme de Banksy, cujo triunfo seria mais arriscado). Num ano em que o tema mais fracturante é a "falta de voz" da luta de quem gagueja, que finalmente foi reconhecido, isso mostra o autismo de Hollywood deste ano, que deixa filmes revisionistas da história recente e possivelmente polémicos como "Ghost Writer" ou "Fair Game" esquecidos. Mas como o próprio Spielberg lembrou no fim da cerimónia: "If you are one of the other nine movies that don’t win, you will be in the company of The Grapes of Wrath, Citizen Kane, The Graduate, and Raging Bull”.

videos:
Vasco Câmara comenta o fim da cerimonia - http://videos.publico.pt/Default.aspx?Id=7ca7885d-93d4-4dde-a5f2-b088323ce238
Luis Miguel Oliveira faz balanço provisório - http://videos.publico.pt/Default.aspx?Id=4dae2267-ad66-48a3-bf15-232e94e6f695
Jorge Mourinha faz antevisão - http://videos.publico.pt/Default.aspx?Id=8b9d00a9-11c8-427e-b02d-6c334a701317

fevereiro 25, 2011

Oscar 2011: Melhor Documentário

Nomeados:
Exit Through the Gift Shop de Banksy - 9/10
Inside Job de Charles Ferguson
Restrepo de Tim Hetherington Sebastian Junger - 8/10
Gasland de Josh Fox - 7/10
Waste Land de Lucy Walker

provável vencedor: Inside Job
favorito pessoal: Exit Through the Gift Shop
desejo para a noite dos Óscares: Mr. Brainwash a aceitar a estatueta no lugar de Banksy.

Inside Job


Inside Job de Charles Ferguson, EUA 2010, 9/10
nomeado para Oscar Melhor Documentário

Charles Ferguson já tinha desmascarado as operações da Casa Branca no Iraque em "No End in Sight" e volta a fazê-lo, agora sobre a crise financeira de 2008, de modo igualmente esclarecedor e acusatório, em "Inside Job". Aliás, de um modo tão informativo e conciso que podemos considerar "Inside Job" como análogo a outro documentário marco do género infomentário, "An Inconvenient Truth". Ao contrário do filme de Al Gore que tem apenas um orador, em "Inside Job" Ferguson apoia-se em depoimentos de vários peritos conceituados e envolvidos no tema, e a pluralidade de opiniões ajudam a formar o quadro completo do que se passou. Se é demasiado convencional dentro do género em que se insere, utilizando as típicas entrevistas, gráficos informativos e uma narração (Matt Damon) para ligar todas as peças, neste caso para conduzir o filme através de uma linha narrativa construída, isso só joga a seu favor dada a complexidade e abstracção do assunto abordado. A simplicidade com que consegue desarmar um tema complexo e enunciar as várias fases do problema numa estrutura cronológica acaba por ser um dos atributos do filme.

"Inside Job" revela-se o título perfeito para tudo o que aconteceu, e para o objectivo que o filme pretende demonstrar. Além de uma perfeita lição sobre o funcionamento e origem da crise, assistimos também a uma completa e incriminatória exposição de factos incontestados, que passa por mostrar como: uma política continua de desregulamentação e liberalização do sistema financeiro, a escolha de elementos ligados a bancos de investimento para lugares importantes no definir das políticas económicas da Casa Branca, a criação de produtos financeiros cada vez mais arriscados e artificiais, e o conluio entre bancos, empresas seguradoras e agências de rating, tudo em conjunto, contribuiu para o desmoronamento de um modelo. Inside Job tem outro trunfo escondido que realmente o eleva a algo de extraordinário, que passa então pelo título do filme e pela conclusão para o que o filme caminha em toda a sua narrativa. Na parte final, vários peritos são desmascarados como beneficiários directos das políticas e teorias que defendem, de um gravíssimo conflicto de interesses que normalmente os impediria de darem a sua opinião por perderem qualquer validade, aqui expostos pela primeira vez. O conflito de interesses não é só entre o governo, bancos e faculdades. Existe dentro do próprio filme, quando pessoas que passaram o filme todo a defender um ponto de vista são desmascaradas como ganhando quantidades obscenas de dinheiro a defenderem esse ponto de vista como consultadores para agentes financeiros, e esse desmascarar é notável, é o golpe de graça do filme. É um dos grandes males da economia actual: o facto de os definidores de políticas beneficiarem das teorias que apregoam, que lhes enchem os bolsos à medida que se vão provando nefastas para o resto da população, com resultados práticos bastante evidentes. O mais alarmante e a conclusão final do filme é que nada mudou, caminha-se ainda na mesma direcção, e a imunidade e conluio entre políticos, banqueiros e opinion-makers continua, preparando o próximo ataque.


fevereiro 24, 2011

Gasland


Gasland de Josh Fox, EUA 2010, 7/10
nomeado para Oscar Melhor Documentário

Ver que perante a proximidade da chama de um isqueiro a água que escorre da torneira de uma cozinha entra em combustão, ou animais a perderem pêlo e peso como se tivessem sido expostos a radiação quando apenas beberam água de um riacho nem é a coisa mais impressionante no filme. O documentário, realizado e produzido de forma quase artesanal com poucos meios tem um trunfo a seu favor, já que o realizador é alguém que foi directamente afectado pelo tema que aborda "Gasland". Após ter recebido uma proposta de uma companhia de energia para explorar os direitos minerais da sua propriedade, Josh Fox decide investigar o real propósito e possíveis consequências que aquela oferta envolve. Em pouco tempo descobre casos semelhantes ao seu, em que a aceitação da oferta teve resultados desastrosos: a contaminação das reservas de água que acontecem a partir da exploração de reservas de gás natural, através de um processo denominado "fracking". Basicamente, o tipo de perfuração utilizado para chegar ao gás acaba por fracturar o subterrâneo, quebrando as barreiras de separação entre as reservas de água e as reservas de gás. Depois, usando uma quantidade enorme de químicos tóxicos para extrair o gás para a superfície, estes químicos acabam por contagiar a água. Esta contaminação da água e do subsolo, não é anunciada nem prevenida pelas empresas que extraem o gás, e pior, acaba por pôr em perigo a saúde das pessoas que habitam essas áreas ou vivem da água, agricultura ou animais subjacentes a esses solos. Fox, como narrador-investigador do documentário revela inúmeros casos de pessoas que adoeceram, alguns entrevistados durante o filme, e alguns casos em que as pessoas não sobreviveram. Porque o mais assustador em "Gasland" é a escala a que se joga com a saúde pública, a saúde de pessoas que no filme deixam de ser meras estatísticas para terem uma cara. É a sustentabilidade do futuro de uma sociedade que é arriscado aqui. O que é realmente assustador e exposto em Gasland é a cegueira corporativa e o conluio político apresentados, o ponto até onde se está disponível a ir na procura de lucros, a ocultação dos estragos ambientais, a compra de silêncios ou a litigação contra quem ameaçar expor o perigo real.

Em Gasland é como se assistíssemos finalmente à materialização dos perigos expostos em "Food Inc.", como se de repente fosse mais fácil ver os efeitos da poluição escondida e a contaminação dos alimentos quando se abrem aquelas torneiras cuja água é inflamável. É como ver finalmente uma representação física da ganância explorada em "Inside Job", dos incentivos aos ganhos a curto-prazo que motivam a indústria, ao mesmo tempo que se envenena, literalmente, as reservas futuras de água. É mesmo uma explosão de clarividência que é impossível não notar, abismados. Fox parte num road movie à procura de mais exemplos, mais testemunhos, que vão surgindo à medida que a exploração do gás se vai multiplicando por diferentes campos de extracção, e aparecem diferentes casos de contaminação e doença. É também uma viagem pela américa rural, américa esquecida e sacrificada. Mesmo que o formato deste documentário se revele limitado, e que falte um estudo mais esclarecido e conciso do problema envolvendo depoimentos de peritos na área como existe em "Food Inc.", apesar da repetição que se instala quando deixa de haver novo material e alguns passos em falso ao puxar por momentos emocionais, que não têm ligação com o espectador, "Gasland" é importante. É um abrir de olhos necessário a um problema que está demasiado escondido no subterrâneo da agenda jornalística e uma chamada de atenção para o perigo de combustão do modo de vida e modelo da sociedade.



fevereiro 23, 2011

Restrepo


Restrepo de Tim Hetherington Sebastian Junger, EUA 2010, 8/10
nomeado para Oscar de Melhor Documentário

A punchline que surge no final do filme não é mais do que a súmula do que vamos pensando durante o filme a partir de certo ponto: a inutilidade, a futilidade abrasiva de tudo aquilo. Menos do que uma conclusão, é  um soco retroactivo. Restrepo é uma base do exército americano no meio de um vale afegão onde decorrem as mais sangrentas batalhas no país desde a presença americana no terreno: 40 soldados americanos morreram, centenas ficaram feridos, e as vítimas entre a população local, quer sejam meros civis ou afegãos ao serviço dos taliban, são tão elevadas que não existem números oficiais. Restrepo é também o nome de um soldado americano que aparece brevemente no início do documentário, cuja morte leva os outros soldados a darem o seu nome a um posto avançado que vai ser fundamental para deter o avanço do inimigo. O posto Restrepo torna-se assim um símbolo mutável: primeiro, uma base frágil cavada à mão no topo de uma colina cuja existência inóspita e perigo constante torna-o num local de sofrimento exaustivo; mais tarde, à medida que vão melhorando as condições e que se vai aguentando como uma importante base para dificultar as operações taliban na zona torna-se num símbolo da resistência, da díficil presença contínua americana no solo. O posto acaba assim por honrar o soldado Restrepo através de uma preserverança que os soldados julgam apropriada, um motivo de orgulho, numa evolução acompanhada ao longo do filme. Mas é uma evolução também acrescida de um derrotismo crescente, de uma degradação da moral dos soldados ali colocados, visível e ainda muito actual.

O filme faz duas escolhas estilisticamente importantes. Primeiro, procura um elevado nível de objectividade e nível de assimilação junto dos sujeitos que acompanha. Focando apenas a acção com um mínimo de contexto apresentado, num enorme afunilar de perspectiva, somos atirados para o meio da acção sem saber exactamente o que se está a passar. Colocando-se ao lado dos soldados que filma, a câmara desaparece mas ganhamos acesso a tudo, através de uma passagem de interveniente activo para testemunha camuflada. Este tom distanciado é logo estabelecido violentamente no primeiro plano do filme quando ao filmar um jipe por entre as estradas montanhosas, de repente ouvimos uma explosão e assistimos ao desenlace de um ataque à coluna americana - a confusão instala-se, a câmara continua a filmar, o som desliga-se da realidade mas o sangue esbatido na câmara é real, como real é o choque. Não é normal assistirmos a soldados nervosos antes de ultrapassarem uma colina, sermos educados sob o perigo real que espreita do outro lado, e depois ver a câmara seguir em frente, para encontrar um dos soldados ferido mortalmente, e o desamparo e desorientação frágil dos seus companheiros que se segue.

A outra escolha relevante do filme é mais convencional mas que joga aqui com a anterior. Interlaçado com as filmagens efectuadas no Afeganistão durante 2008 vão surgindo excertos de entrevistas com os soldados que fizeram parte daquela campanha. O importante porém é que os depoimentos foram gravados a posteriori, ou seja, alguns meses depois de os soldados terem regressado a casa. Isto desarma de alguma forma a tensão que vivemos dentro do filme pelo modo como a acção nos é apresentada: estes soldados vão sobreviver ao que estamos a ver (com duas ressalvas: um, nem todos os soldados são entrevistados por isso a segurança de todos não está garantida; dois, pela forma como os soldados são filmados de tão perto durante as entrevistas é natural esperar que a qualquer momento um zoom out revele uma cadeira de rodas ou um braço amputado). O significativo é que esta divisão temporal não é imediata para os soldados que ouvimos. A inabilidade deles fazerem essa distinção temporal, de se alienarem do que aconteceu e separarem o presente do passado é preocupante, mostra as feridas abertas por cicatrizar. É um retrato psicológico perturbante que nos é apresentado e ilustra a opção do filme em usar o julgamento subjectivo de quem viveu em primeira mão a experiência de combate, para completar um ponto de vista objectivo na forma como as filmagens no terrreno são expostas. Restrepo esforça-se por apresentar uma tela em branco para cada um tirar as suas conclusões, sem forçar uma agenda política, deixando as questões em aberto mas proporcionando material relevante para as colocar. Cada um chegará a ilações a partir das próprias suas construções e ideologias, contudo a frase que fecha o filme é demasiado incriminatória para não provocar uma reacção.

fevereiro 22, 2011

Óscares no Ípsilon

A crítica sobre o filme do Banksy, "Exit Through the Gift Shop",  foi escolhida pelo Ípsilon como uma das vencedoras do concurso de textos sobre os filmes nomeados para os Óscares deste ano, e além de proporcionar a hipótese de assistir à cerimónia na redacção do jornal, resultou na publicação do texto no site - podem ler aqui: http://ipsilon.publico.pt/Oscares/texto.aspx?id=277940

fevereiro 18, 2011

Fantasporto 2011


http://www.fantasporto.com/
sugestões da programação:

Grande Auditório
Segunda-feira, 21 de Fevereiro
21.15h – 127 Horas - Danny Boyle - EUA - trailer
nomeado para Oscar Melhor Filme
23.15h – I Saw the Devil - Kim Jee-won - Coreia do Sul - trailer
do realizador de "A Tale of Two Sisters"

Terça-feira, 22 de Fevereiro
21.15h – The Housemaid – Im Sang-Soo – Coreia do Sul - trailer
selecção oficial Festival Cannes 2010
23.15h – A Serbian Film - Srdjan Spasojevic - Sérvia
filme censurado devido à sua violencia extrema, que desde logo um breve olhar à sinopse permite imaginar (completamente não recomendado).

Quinta-feira, 24 de Fevereiro
23.15h – Carancho - Pablo Trapero - Argentina - trailer
thriller argentino com Ricardo Darín, secção Un Certain Regard do Festival Cannes 2010

Sábado, 26 de Fevereiro
17.00h - Hahaha – Hong Sang-soo - Coreia do Sul - trailer
prémio secção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2010
23.15h – And Soon the Darkness- Marcos Efron - EUA - trailer
série b, terror entre o "Turistas" e "The Ruins", isto é, mais férias estragadas. Alta probabilidade de sustos gratuitos, decisões idiotas e momentos nojentos. 

Domingo, 27 de Fevereiro
21.15h – The Housemaid – Im Sang-Soo - Coreia do Sul

Segunda-feira, 28 de Fevereiro
23.15h – The Tempest - Julie Taymor - Inglaterra - trailer
a realizadora de "Across the Universe" e "Frida" volta a adaptar Shakespeare depois de "Titus"

Terça-feira, 1 de Março
23.15h – I Saw the Devil - Coreia do Sul

Quarta-feira, 2 de Março
17.00h - R U There – David Verbeek - Holanda - trailer
secção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2010


Sexta-feira, 4 de Março de 2011
21.15h - The Rite – Mikael Hafstrom – EUA - trailer
blockbuster americano com Anthony Hopkins, "The Exorcist" e "The Omen" reciclados, sustos garantidos e possibilidade de fortes enjoos
23.15h – Splice - Vincenzo Natali - EUA - trailer
sci-fi do realizador do "Cube". Probabilidade de chuva torrencial de momentos nojentos


Pequeno Auditório
Sexta-feira, 25 de Fevereiro
21.00h - Zombie Undead – Rhys Davies - trailer
se o seu objectivo é ver todos os filmes com zombies no título, tem aqui uma oportunidade
23.00h - La Bête Humaine – Jean Renoir

Segunda-feira, 28 de Fevereiro e Terça-feira, 1 de Março
21.00h – Sessão especial com a apresentação interactiva de Sufferrosa -  A Web Interactive Film - trailer
what happens in the movie depends entirely on the viewer’s choice. With over 110 scenes, 3 alternative endings, 20 different locations and 25 actors to choose from, Sufferrosa is one of the biggest interactive web-based movies ever made

Sábado, 5 de Março
21.00h – Le Caporal Épinglé – Jean Renoir

janeiro 21, 2011

Banksy


"Exit Through the Gift Shop" de Banksy está pré-seleccionado para o Oscar de Melhor Documentário e enquanto não é conhecida a lista final de nomeados, o filme continua a arrecadar prémios e a tornar-se uma séria ameaça na categoria. Recentemente o filme foi premiado como melhor documentário nos "Cinema Eye Honors", e Banksy, não estando presente (como não podia deixar de ser), enviou um discurso de aceitação do prémio para ser lido durante a cerimónia:

"Now’s not the time for long, rambling speeches. I’ll leave that for the director of ‘Waiting for Superman.’


I’d like to thank the Cinema Eye awards. It’s great to be recognized by people who are so obsessed with the documentary genre — in other words people who are even more socially retarded than myself.


I guess some of you may be getting a bit suspicious about me. How can you know that this award is real? But I’d like to categorically assure you that this evening’s awards are not being staged by actors for a parody I’m making about film awards.


I’d like to thank anyone who worked on the movie. Almost all of them did a great job. And I’d like to dedicate this award to anyone out there who’s ever looked at the state of this world and thought: “I can’t just stand idly by and watch this happen. I need to get it on tape.” Thank you and have a good evening."


* crítica a Exit Through the Gift Shop

Oscar 2011: Filme Estrangeiro


Já foi revelada a shortlist dos 9 filmes que serão reduzidos na próxima semana a 5 nomeados para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, uma das poucas categorias que invariavelmente tem interesse. Os 9:

Life, above all - África do Sul - trailer
Hors la Loi - Argélia - trailer
Incendies - Canadá - trailer
In a Better World - Dinamarca - trailer
Tambien la Lluvia - Espanha - trailer
Kynodontas / Canino - Grécia
Confessions - Japão - trailer
Biutiful - México - trailer
Simple Simon - Suécia - trailer

Ainda não foi desta que Portugal teve uma nomeação, apesar do filme de João Pedro Rodrigues "Morrer como um Homem" ter tido uma boa recepção junto da crítica estrangeira, chegando a ser incluído nos tops dos melhores filmes do ano de revistas como a "New Yorker" ou "Cahiers do Cinema" (7º). Aliás, a grande ausência desta lista é mesmo o melhor filme do ano para os Cahiers e vencedor em Cannes em 2010, "Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives" do tailandês Weerasethakul, o que mostra a contínua, se não crescente, ruptura entre a Academia e festivais como Cannes/Veneza/Berlim na valorização do cinema de autor. Entre as ausências de notar também que o filme francês "Des Hommes et des Deux" de Xavier Beauvois (2º lugar em Cannes) não foi escolhido; quanto a "I Am Love", este não foi a escolha da academia italiana, tal como "Lebanon" não foi a escolha da academia israelita.

A grande e agradável surpresa é a inclusão de "Kynodontas" (Canino). É uma menção que poderá ajudar a divulgação deste brilhante filme, não deixa de ser já uma honra atingida e se oferece alguma esperança em relação ao futuro ou uma abertura da Academia a uma obra fracturante e arriscada como esta, será muito difícil passar à lista final (mas, o ano passado a surpresa foi a nomeação do peruano "La Teta Assustada").

Favoritos à selecção final parecem ser:
- "In a Better World", vencedor já do Globo de Ouro e talvez o maior favorito (The lives of two Danish families cross each other, and an extraordinary but risky friendship comes into bud. But loneliness, frailty and sorrow lie in wait)
- o sul-africano "Life, above all" (an emotional and universal drama about a young girl who fights the fear and shame that have poisoned her community. The film captures the enduring strength of loyalty and a courage powered by the heart - it is based on the international award winning novel "Chanda's Secrets")
- o canadiano "Incendies(a mother's last wishes send twins Jeanne and Simon on a journey to Middle East in search of their tangled roots. Incendies tells the powerful and moving tale of two young adults' voyage to the core of deep-rooted hatred, never-ending wars and enduring love)
- o mexicano "Biutiful", o novo filme de Alejandro González Iñárritu, desta vez sem a colaboração do seu argumentista de Amores Perros e 21 Grams
- para o 5º talvez o argelino Hors la Loi, no que seria a segunda nomeação para Rachid Bouchareb depois de Indigènes; ou o espanhol "Tambien la Lluvia", já que a combinação Cristovão Colombo e Gael García Bernal tem sempre potencial, mas a vitória deverá ser disputada entre os outros nomeados.

(mais em: www.incontention.com)
* últimos vencedores em Cannes:

2010: Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives
2009: The White Ribbon [nomeado para Oscar Melhor Filme]
2008: The Class [nomeado para Oscar Melhor Filme]
2007: 4 Months, 3 Weeks and 2 Days
2006: The Wind That Shakes the Barley
2005: L'enfant

janeiro 14, 2011

Winter's Bone

Winter's Bone, de Debra Granik, EUA 2010, 8/10


O minimalismo patente em Winter's Bone tem um único objectivo: deixar-nos sozinhos com a personagem central, uma indómita rapariga de 17 anos face aos elementos adversos que ela tem de enfrentar. Os planos longos e distantes, repetindo-se erodem a nossa resistência e delapidam a vontade de Ree, numa composição ambiental sem misericórdia, essencial para criar empatia com a personagem e também para delimitar a fronteira desta vida, estabelecendo a impossibilidade da ideia de um outro mundo. O notável em "Winter's Bone" é a facilidade com que nos perdermos no isolamento intemporal da situação das suas personagens. O filme tanto podia ocorrer há cinquenta anos atrás, como daqui a cinquenta anos, que não notariamos diferença - tal é a arrogância isolacionista do espaço - o que é suficiente para evidenciar o redutor ciclo que é vivido dentro do filme. Uma geração dá lugar a outra geração, repetem-se erros e fecham-se portas, enterram-se futuros.

No meio de rivalidades mundanas entre familiares, negócios de drogas, que apenas reforçam a precariedade de como se tenta sobreviver nesta comunidade, e sentimentos de impunidade, que se alimentam de vidas à margem da sociedade e da sua lei, fica apenas o vazio no centro. No meio de uma floresta de árvores solitárias, a luta de Ree em sustentar os irmãos mais novos é contrariada pela debilidade de uma mãe dormente e pela procura de um pai de corpo desaparecido. A lenta claustrofobia em que o filme nos envolve é definida na sua escuridão. Sempre num tom retraído de imagens que ardem, o interior profundo desta america esquecida é acima de tudo ameaçador. Entre assegurar a próxima refeição, sobreviver ao inverno frio e desafiar a rede de figuras locais poderosas que envolve a família próxima, para tentar desvendar o que aconteceu ao pai, Ree é castigada por personificar uma ameaça como alguém que se desvia da ordem instalada, que não se rende às evidências. É este perigo que encarna que é criminal para quem está habituado a esconder os males do seu modo de vida. À medida que vai sendo percorrido o caminho escolhido por Ree mostra-se implacável, mas tem de segui-lo até ao fim.

A exposição no filme sobre o que vai acontecendo e o contexto apresentado são diminutos, e muitas vezes o filme é contado através de silêncios demorados. É a dinâmica da investigação que sustenta o filme, mas são as feições feridas de Ree pelo vento gélido que revelam mais história que qualquer exposição conseguiria. É através deste balanço entre composição ambiental e narrativa nebulosa que o filme se alinha com uma corrente recente, que se destaca pelo ressurgimento de um estilo formal próximo do neo-realismo mas que se transforma num realismo quase onírico. Tal como Samson and Delilah ou Wendy and Lucy, estes filmes acrescentam ao objectivismo com que são filmados um cenário particular no seu isolamento, aludindo a um etéreo negro de Terrence Malick em Badlands ou Days of Heaven.


A cena mais importante do filme tem um impacto tão devastador precisamente pelas fronteiras que estabelece durante o filme. É a única cena que se desenrola temporariamente fora do cenário das montanhas, em que Ree se desloca a um centro de recrutamento do exército americano para averiguar as possibilidades de abandonar o mundo que conhece mas revela uma saída demasiado custosa - é o choque com um outro mundo real materializado naquela sala e o choque de não ter qualquer saída. Outras portas que se fecham.